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sábado, 1 de fevereiro de 2014

NO MUNDO DO SOL

por Raquel Nascimento Pereira

Muitas pessoas que se convertem à Igreja Católica costumam dizer que os católicos não dão valor ao tesouro que possuem. Observam que os católicos tradicionais, aqueles que nasceram em berço católico, parece que nem dão bola para a Eucaristia - presença do Cristo vivo na hóstia consagrada - e que vivem como se nenhum milagre estivesse acontecendo. Alguns convertidos dizem até que, depois que descobriram a beleza da liturgia católica e da presença real de Jesus na Eucaristia, sentem vontade de ajoelhar-se diante d'Ele e permanecer ali, dia e noite, em adoração, e que não compreendem como pode um católico que nasceu na Igreja, recebeu todos os sacramentos e recebe o Deus da Vida em seu coração todos os domingos, como pode que esta pessoa não reverencie Jesus como Ele merece, e não trema diante d'Ele.

Pode ser. Sou convertida há mais de 20 anos, e também tive esta impressão. Mas, imagine o seguinte:

Faça de conta que você viveu a sua vida toda num mundo sem sol. Um mundo frio e escuro. Você se esquentava com o calor de uma brasa acesa. Nessa brasa você fazia a sua comida e se alimentava. Você nasceu, cresceu, aprendeu a ler, a escrever, a se relacionar com as pessoas, a trabalhar... à luz de velas. Sempre tateando, tentando ver mais além através da chama de uma vela. Nunca viu um sol na vida, nem sabe como ele é. Algumas pessoas comentam que existe, sim, um sol, e que ele esquenta, e ilumina, e transpassa, e até cura! Você reflete, você compara esse sol  à sua brasa: ela também esquenta. Compara-o à sua vela: ela também ilumina. Mas... transpassa? Cura?
Seus pais sempre lhe disseram que isto é uma invenção de Constantino, paranóia de alguns fanáticos por um sol que não existe. Você fica encucado. Já vira alguns cartões postais com a figura do sol, e parecia tão real... Enfim, o sol existe ou não? Como seria a vida humana num mundo com a presença do sol?

Então, alguém lhe sopra aos ouvidos:
- É verdade, o sol existe. Mas é num outro mundo, e não é fácil chegar lá.

Decidido, você resolve tirar isto a limpo, se debruça nos livros e começa a pesquisar. Vai lendo, vai pesquisando, vai pensando, vai caminhando, caminhando... vai subindo, subindo... até que entra em êxtase:
- Siiiiiiim, o sol existe!!!!! Vejo o seu brilho, vejo a sua luz, sinto o calor de seus raios a me transpassar! O sol existe, eu o encontrei!!!

Você volta correndo contar para os seus que viu o sol - de verdade! -, mas as pessoas olham para você com tristeza e abanam a cabeça: - tsc tsc... coitado, mais um que caiu na conversa! - e tentam provar por A + B que o sol não existe. Entretanto... você o viu. Você sabe que viu.

Sim, você viu o sol. Você tem absoluta certeza, era ele. Então, dá meia volta e parte correndo ao seu encontro. Chega perto dele, se ajoelha e chora.
- Oh!, sol da minha vida! Sol que me ilumina, que me esquenta, me transpassa e cura!

E não quer mais sair dali, de tão extasiante vislumbre! Não consegue pensar em outra coisa. E assim, a cada dia, você passa a acompanhá-lo, desde o seu despontar até o seu ocaso. Sente que o sol ilumina todo o seu dia sem que você o alimente, como fazia com as brasas. Nem precisa acendê-lo, como fazia com as velas. Não, ele vive por conta dele mesmo, sem que você intervenha ou se esforce para que ele exista. Ele é porque é, é "porque sim", porque é próprio do sol ser sol e estar ali, alternando-se entre os dias e as noites. No mundo do sol é assim que as coisas funcionam.

De repente você pára, olha à sua volta e parece que ninguém naquele mundo do sol está vibrando como você. Você vê as pessoas no seu vai-e-vem, pra lá e pra cá, entretidas com isto ou aquilo, e parece que nenhuma delas consegue sentir o que você sente.  Aí você grita:
- Gente! Aqui tem um sol! Vocês viram? Tem um sol aqui, que ilumina, esquenta, transpassa e cura!
Elas olham para você e respondem, naturalmente:
- Sim, sabemos que temos um sol.
Você tenta elevar-lhes os ânimos:
- Que ilumina! Que esquenta!...
- Que transpassa e cura, nós sabemos. Sempre soubemos.
Esta resposta assim lhe cai como um balde de água fria. Quanta arrogância! Quanta altivez! E quanta indiferença! - pensa você.

É que aquelas pessoas... bem, elas estão trabalhando, cuidando da vida. Acordam cedinho, dão um olhadinha para o sol, tomam o seu café da manhã e seguem ao seu trabalho. Elas sabem que não podem chegar muito perto do sol, pois se alguém chegasse pertinho dele, morreria. Então elas o admiram assim, ao longe. Conseguem ver que é redondo, e que brilha muito. (Às vezes ele se deixa ver quase por inteiro, mas isto só acontece no amanhecer ou entardecer, ou quando ele resolve se mostrar.) É o máximo que conseguem ver. No mais, só sentir o seu calor, a sua força, o seu esplendor, os seus raios e a sua vida, que lhes atravessa o corpo e a alma.
Às vezes o sol fica tão quente que elas chegam a suar e se abanar. Em alguns dias acontece de nuvens escuras se interporem e esconderem o sol. No entanto, aquelas pessoas sabem que o sol está ali. Elas sabem porque é dia. Mesmo com nuvens, mesmo no frio ou na chuva, é dia, ele está ali.  Ontem, hoje e sempre. Até o final dos tempos. Está ali.
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Depois de 20 anos também eu me acostumei com a presença do sol na minha vida e com a sua claridade. É interessante que esta claridade faz com que eu veja as coisas que eu faço, e assim tenha mais cuidado. Na claridade do sol eu posso trabalhar, ler, conversar, levar, trazer, subir, andar... não titubeio, não tropeço. Só às vezes - quando estou meio estressada - é que faço as coisas com atropelo e meto os pés pelas mãos. Mas logo percebo o erro, porque a claridade do sol me faz ver as burradas que eu faço.
E quando anoitece? Ah!, quando anoitece... aí eu não vejo nada! Então, aproveito e durmo. Às vezes sonho com o sol. Outras vezes, tenho pesadelos horríveis, mas que passam assim que o dia amanhece, e logo me esqueço deles. E outras vezes perco o sono e passo a noite em claro, imersa em pensamentos perturbadores. Quando isto acontece, parece que o dia demora uma eternidade para amanhecer...

É assim a vida no mundo do sol. Volta e meia vemos pessoas entrando para este mundo, e quando elas descobrem que existe um sol sobre nossas cabeças, ficam pulando de alegria, como que fora de si. É algo novo, com que nunca sonharam. Até que vivam um tempo aqui e se acostumem, como eu já me acostumei, e já não saberia mais viver num mundo de brasas e velas.
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