Por
Vitaliano Mattioli
Em 29 de junho, a Igreja celebra
os santos apóstolos e mártires, Pedro e Paulo, colunas de fundação da Igreja de
Roma. Mas esta celebração ofusca a dos Protomártires Romanos celebrada no dia
seguinte. Esta antiga festa mostra que a Igreja, desde o início, concedeu uma
reverência especial àqueles que testemunharam com seu sangue a fé em Cristo.
Na verdade, os dois
apóstolos não são um caso à parte, mas são as vítimas mais famosas desta
perseguição. Não conhecemos os nomes dos Protomártires, mas sabemos que foi uma
multidão. O Martirológio Geronimo (Sec. V), sustenta o número 979.
Isso aconteceu na
época de Nero, que foi imperador de 54 a 68. Foi ele quem desencadeou no
Império a primeira grande perseguição contra os cristãos, que durou cerca de
três anos, de 64 a 67.
Como nos diz o
historiador latino Cornélio Tácito em sua obra "Os Annales" (15, 44),
Nero aproveitou a oportunidade do incêndio de 19 de Julho do ano de 64, que
atingiu diversos quarteirões no centro de Roma, para se defender da acusação de
ter causado o incêndio, ele acusou os cristãos. A partir daí, foi mais fácil
incitar a população pagã contra os cristãos e desencadear a perseguição.
Tácito, pagão, que
já não nutria simpatia por eles, manifesta uma concussão descrevendo as
torturas a que foram condenados estes inocentes, simplesmente por aderirem à
religião de um certo Cristo.
Estes fatos ficaram
bem gravados na memória. No ano 95/96 o Papa Clemente em sua carta à comunidade
de Corinto, refere-se à perseguição: “Tenhamos diante dos olhos os bons
apóstolos Pedro e Paulo… A estes homens, mestres de vida santa, juntou-se uma
grande mutidão de eleitos que, vitimas de um ódio iníquo sofreram muitos
suplícios e tormentos tornando-se, desta forma, para nós um magnífico exemplo
de fidelidade” (5, 3-5; 6, 1)
O Papa Gregório
XIII deu ordem para compor uma ópera em memória dos mártires, intitulada
"O Martirológio Romano", concluída em 1586. Esta recorda os Primeiros
Mártires, referindo-se a descrição de Tácito: “Em Roma, celebra-se o natal de
muitíssimos santos mártires que, sob o império de Nero, foram falsamente
acusados do incêndio da cidade e por sua ordem foram mortos de vários modos
atrozes: alguns foram cobertos com pêlos de animais selvagens e lançados aos
cães para que os fizessem em pedaços; outros, crucificados e, ao declinar do
dia, usados como tochas para iluminar a noite. Todos eram discípulos dos
apóstolos e foram os primeiros mártires que a santa Igreja romana enviou a seu
Senhor antes da morte dos apóstolos”.
O local era o Circo
de Nero, que coincide com o lado esquerdo da atual Basílica de São Pedro e o
pátio exterior. A pequena praça ao lado da sacristia hoje é chamada de
"Praça dos Protomártires Romanos”.
O Papa Pio XI
solicitou a Associação "Cultorum Martyrum" para colocar uma lapide em
memória, com a seguinte inscrição: "Este lugar, antigamente casa e circo
de Nero, hoje farol de luz para o mundo, conquistaram com sangue duce o
apóstolo Pedro e os Primeiros Cristãos. Ascenso daqui para oferecer a Cristo as
palmas do novo triunfo (27 de Junho 1923) ".
A palavra
"mártir" em grego significa "testemunha" e foi amplamente
usada em discursos judiciais. Durante as perseguições contra os cristãos
indicou os homens que, com o sofrimento e a morte, se tornaram 'testemunhas' da
fé em Cristo.
Cristo é o primeiro
mártir e a sua Igreja por uma boa razão pode ser chamada de "Igreja dos
Mártires".
Nas Constituições
Apostólicas (Sec. IV), lemos: "Aquele que é condenado pelo nome do Senhor
Deus é um santo mártir, é um irmão do Senhor, um filho do Altíssimo" (V,
2).
As perseguições
imperiais terminaram no início do século IV com a paz oferecida pelo imperador
Constantino, mas a Igreja nunca deixou de ser perseguida. No século passado, o
número de cristãos mortos por ódio à fé foi maior do que nos três primeiros
séculos.
Com o tempo, o
conceito de "testemunha" assumiu um significado mais amplo, como
resultado das mudanças de atitude em relação à Igreja e à fé cristã.
Já S. Tomás de
Aquino, afirma que deve ser considerado mártir, cuja morte que faz referência à
morte de Cristo, aquele que defende a sociedade contra os ataques daqueles que
querem corromper a fé cristã. (Cf. In IV Sent, Dist. 49, q. 5, a. 3).
Dom Tomasi,
Observador Permanente da Santa Sé na ONU, declarou que mais de 100 mil cristãos
são violentamente mortos a cada ano por sua fé. Outros, acrescentou, são
obrigados a fugir, violentados, torturados ou sequestrados por causa de sua
religião (Fonte Zenit, 13/5/29).
Ainda no século
XXI, a Igreja é mártir. Os cristãos devem ser conscientes. Por esta razão, é
importante retornar à carta acima mencionada do Papa Clemente: “Escrevemos
isto, caríssimos, não apenas para vos recordar os deveres que tendes, mas
também para nos alertarmos a nós próprios. Pois nos encontramos na mesma arena
e combateremos o mesmo combate” (7,1). Sim, ainda hoje o cristão deve lutar,
provavelmente em outras arenas, para ser sempre coerente com a sua fé.
A exortação de São
Inácio, bispo de Antioquia, que foi martirizado em Roma no ano de 107 (alguns
historiadores dizem 110) é extremamente relevante hoje. Em suas cartas enfatiza
repetidamente que não basta se dizer cristão, é preciso dar provas disso também
em nosso agir, ainda que custe a morte.
O Cardeal Camillo
Ruini em sua “Lectio Magistralis”, realizada na Fundação 'Magna Carta', (Roma,
06 de maio de 2013) defendeu o direito de objecção de consciência, e
acrescentou: "Não compete a uma maioria estabelecer o que é verdadeiro ou
falso, nem o que é em si mesmo justo ou injusto. O jogo democrático não é a verdade
sobre as coisas, mas apenas as regras comuns de comportamento. Aqueles que por
razões de consciência, acreditam que não podem cumprir estas normas, é justo
que tenham a possibilidade de objeção de consciência. Se as leis, nesse caso,
não consentem tal objeção, poderá dar testemunho de suas convicções de forma
mais cara, mas também mais forte, enfrentando as sanções previstas em lei. De
fato, os objetores de consciência mais heroicos e eficientes foram e são os
mártires cristãos das diversas épocas históricas".
A vocação ao
martírio não é uma característica da Igreja dos primeiros séculos, mas é parte
intrínseca de sua natureza.
Hoje, a reflexão do
Cardeal Ruini é extremamente importante por estarmos vivendo em um clima
ideológico de homologação da consciência. Quem coloca resistência é considerado
um obstáculo ao progresso civil e por isso é eliminado da sociedade (de várias
formas). O cristão autentico deve saber correr esse risco como fizeram os
Protomártires Romanos.