(por Carlos
Ramalhete/Gazeta do Povo)
Duas
notáveis mudanças sociais do século 20 criaram um problema de que poucos se dão
conta. A primeira delas foi o culto à juventude, iniciado no princípio do
século. Enquanto em qualquer sociedade pacífica os idosos são considerados
repositórios vivos da sabedoria e conhecimento, na nossa eles passaram a ser
vistos com desprezo. Hoje muitas senhoras se vestem e se comportam como se
tivessem 20 anos de idade, em vã tentativa de escapar a uma velhice percebida
como maldição, não como troféu.
Paradoxalmente,
o desenvolvimento médico aumentou tremendamente a expectativa de vida da
população. Hoje é relativamente normal que se passe dos 80 anos de idade, e
pessoas de 60 anos de idade frequentemente têm pais vivos.
Sem o
respeito tradicional aos idosos, contudo, estas décadas a mais de vida acabam
se tornando um problema social. Aqueles que deveriam estar guiando, com sua
sabedoria e experiência, os esforços dos mais jovens são tratados como
incapazes. Até mesmo os esforços bem-intencionados para ajudá-los muitas vezes
os colocam em uma posição passiva; nas “creches” para idosos, que a necessidade
torna mais e mais comuns, raramente alguém se dá o trabalho de ouvi-los. Peças
de teatro lhes são apresentadas, histórias lhes são contadas, livros lhes são
emprestados, mas o idoso continua sendo tratado como objeto, não como sujeito
vivo de sua própria história.
A sabedoria
de quem viu e viveu o que os mais jovens ainda enfrentarão é desprezada, e os
macacos novos, sem ter quem os guie, botam a mão em todas as cumbucas que veem.
A história
da cidade, do estado, do país e do mundo é deixada de lado e esquecida;
enquanto as testemunhas oculares definham esquecidas, sendo entretidas como se
fossem crianças pequenas ou afastadas como um estorvo, os jovens pesquisadores
se debruçam sobre documentos escritos, ignorando seus autores.
Desfazer a
transformação ocorrida há quase cem anos é impossível, mesmo por ela ter sido
assumida pelos próprios idosos; quem era jovem nos anos 1930 já considerava a
força da juventude superior à experiência da idade. É, contudo, possível tentar
evitar que toda esta sabedoria se perca. É possível criar programas que
incentivem os mais jovens a aprender aos pés desses tantos idosos que hoje são
deixados de lado. Os professores podem pedir aos alunos que os entrevistem; os
pesquisadores podem e devem ir a eles e ouvi-los.
Temos
um tesouro oculto definhando em silêncio. Ouçamos a voz da experiência, para
que não repitamos os erros do passado.
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