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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

"O resto que voltará"

Com sólida base na Sagrada Escritura, a teoria de que o bem acaba vencendo –– mesmo quando reduzido a um simples resto, e na iminência de ser esmagado –– é alta razão de confiança para os que hoje resistem aos desmandos do mundo moderno.
Gregorio Vivanco Lopes

M
uita gente se pergunta hoje em dia: o Brasil ainda tem jeito? Mais: para o mundo atual ainda haverá solução?

          Compreende-se a perplexidade. Vemos que tudo caminha por vias tortuosas. As promessas de felicidade a ser obtida pela ciência e pela técnica não se realizaram; as utopias igualitárias fracassaram uma após outra; as soluções não aparecem e os males se aprofundam. Tem-se a impressão de que entramos num túnel tenebroso e sem fim. Não conseguimos mais voltar para o passado, e o futuro se nos afigura negro.
          O que fazer? Desesperar? Jamais. Mas confiar em quê, numa civilização que degringola por todos os lados? Em que a família se desfaz, a propriedade é vilipendiada, as tradições são esquecidas e desprezadas; em que a Igreja –– oh, a Igreja! –– ficou reduzida ao estado em que a encontramos... Ela, o lugar sagrado por excelência, foi penetrada, segundo o Papa Paulo VI, pela “fumaça de Satanás”!
          Adianta resistir? Para que serve um punhadinho de gente inconforme, um resto de Cristandade boiando num mar poluído pela revolução? Não podemos mudar o mundo que está aí, e que engole tudo ao nosso redor.
Ser medíocre ou salvar a alma, sério dilema
          A grande tentação é aderir à sarabanda geral, como tantos fazem, e deixar as águas rolarem. É a saída mais fácil. É colocar um tampão sobre a consciência e viver os dias que nos restam; no sossego, sem lutas, sem problemas, na mediocridade... e vendo a “abominação da desolação” (Mc 13,14) tomar conta de tudo. À espera despreocupada do momento em que a ira de Deus se abata sobre o mundo... e sobre nós.
          Deixando de lado essa vileza, entretanto freqüente, é claro que a resistência se justificaria, ainda que fosse apenas pela importância da salvação das almas. Só por isso valeria largamente a pena resistir, pois nada é mais precioso no âmbito individual do que salvar a própria alma. “Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo todo, se vier a perder a sua alma?” (Mt 16, 26). Além disso, há a glória que todo homem é obrigado a prestar a Deus nesta Terra, e sem o que a própria salvação eterna fica comprometida.
          Mas a resistência tem ainda um outro sentido, e é o que neste artigo examinaremos.
Uma lei da História: o resto voltará
          O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira deixou-nos uma orientação segura, porque baseada na doutrina católica, a respeito do que se poderia chamar a "teoria do resto".
          Os que resistem por amor à Igreja e à Civilização Cristã — sejam eles bispos, padres, leigos — constituem hoje, no seu conjunto, um resto de fidelidade à Igreja disperso pelo mundo. E a Igreja é imortal. Ela não morrerá e deve novamente vencer, em primeiro lugar devido à graça de Deus, mas também pela resistência dos que são fiéis.
          A teoria do resto, baseada em numerosas passagens bíblicas, põe em evidência o ressurgimento do bem, sempre que ele está na iminência de ser totalmente esmagado. O momento de seu supremo esmagamento é exatamente a hora de sua ressurreição.
          Esta é, a seu modo, uma lei da História, que a Sagrada Escritura nos ensina. São os hábitos de Deus, são as vias da conduta divina, são os desígnios de Deus que constituem, no fundo, as leis históricas.
No Profeta Isaías, as bases da "teoria do resto"

Profeta Isaías
O profeta Isaías teve dois filhos, aos quais deu nomes proféticos. Ao primogênito, chamou-o Shear Yashub –– em latim, Residuum Revertetur; em português, o resto que voltará –– para manifestar sua confiança e sua esperança no Messias que haveria de vir. É a interpretação que dão, de modo geral, os exegetas. Eu a ouvi pela primeira vez na minha remota adolescência, da boca de um erudito professor de História Sagrada, Frei Jerônimo van Hintem, frade carmelita holandês radicado no Brasil.
          Por que Nosso Senhor Jesus Cristo é um resto? E por que Ele é o resto que voltará?
          A humanidade toda tendo caído no estado de pecado, deu-se o dilúvio e ficou um resto — Noé e sua família — que em seguida refloresceu. Depois, quando os povos foram se tornando cada vez piores, surgiu uma nação eleita — Abraão e seus descendentes — que era o resto que se salvara da humanidade apóstata. Um povo eleito, uma gota dentro da imensidade do mundo antigo. Este resto, por sua vez, não foi fiel, e dele salvou-se a Casa de David. Mas a Casa de David também não foi fiel, e dela salvaram-se Nossa Senhora, São José, Sant'Ana e algumas outras pessoas; e sobretudo veio Nosso Senhor Jesus Cristo.
          São restos concêntricos, restos uns dos outros. Há uma catástrofe, salva-se um resto; esse resto entra em decadência, sucede depois outra catástrofe, salva-se o resto; quando o que sobra chegou quase às proporções de um indivíduo, este é Nosso Senhor Jesus Cristo. E com esta Pessoa dá-se então uma epifania: tudo aquilo que tinha sido apagado, contrariado, calcado aos pés, jorra para o alto de um modo magnífico, é o Redentor do gênero humano que vai fazer o Império de Deus voltar à Terra.
          Nas situações de catástrofe, se esse resto não se deixa aniquilar, quando ressurge, ele é mais forte do que era no período de seu antigo esplendor.
          Aqueles que resistem aos costumes revolucionários de nosso tempo constituem também um resto que procura ser fiel à Santa Igreja e à Civilização Cristã. Se assim permanecerem, serão como o farol no meio do mar, que atrai e orienta todos aqueles que desejam seguir o bom caminho no meio da noite e da tempestade.
          A pregação do Profeta Isaías insiste em alimentar a esperança do resto que voltará, mesmo nas piores circunstâncias:
          “Um resto voltará. Ainda que teu povo fosse inumerável como a areia do mar, dele só voltará um resto. A destruição está resolvida, a justiça vai tirar a desforra” (Is 10,22).
          “Naquele dia o Senhor dos exércitos será uma coroa resplandecente, um diadema esplêndido para o resto do seu povo” (Is 28,5).
          Numa situação de calamidade para o povo eleito, a esperança de salvação estava no resto:
          “O rei Ezequias mandou os deães dos sacerdotes, revestidos de sacos, ao profeta Isaías, para dizer-lhe: Roga por este resto que ainda subsiste!” (II Reis, 19,4). E o Profeta respondeu: “O resto, que subsistir da casa de Judá, lançará novas raízes no solo e produzirá frutos no alto. Pois de Jerusalém surgirá um resto, e do monte Sião sobreviventes. Eis o que fará o zelo do Senhor dos exércitos” (II Reis, 19,30).
Já no Gênesis, a insistência na “teoria do resto”
          A força do “resto que voltará” é uma das insistências mais marcantes da Sagrada Escritura. Já no livro do Gênesis, o Patriarca José, primeiro-ministro do faraó do Egito, senhor de todas as riquezas do país, recebe seus irmãos que mal conseguiam sobreviver, para lhes dar o sustento necessário. O que significava aquele contraste gritante entre José rico e poderoso e seus 11 irmãos pobres e sem ter o que comer? Por que o Senhor tinha separado José e o tinha elevado tão alto? Ele mesmo responde:
          “Deus enviou-me adiante de vós para que subsista um resto de vossa raça na Terra, e para vos conservar a vida por uma grande libertação (Gen. 45,7).
          O livro do Eclesiástico (48, 16-17), ao descrever os grandes milagres feitos pelo Profeta Elias, lamenta:
          “E, apesar de tudo isto, o povo não fez penitência, não se afastou dos seus pecados, até que foi expulso de sua terra e espalhado por todo o mundo. Só ficou um resto do povo”.
Jeremias, Ezequiel, Joel, Esdras
          Entre os Profetas, não é apenas Isaías que insiste a respeito do papel do resto nos planos de Deus.
          a) Também o Profeta Jeremias se refere a esse grande perdão que será concedido ao resto que tiver permanecido fiel:
          “Isto diz o Senhor: Lançai gritos de júbilo por causa de Jacó. Aclamai a primeira das nações. E fazei retumbar vossos louvores, exclamando: O Senhor salvou o seu povo, o resto de Israel” (Jer. 31,7).
          “Naqueles dias e naqueles tempos buscar-se-á a iniqüidade de Israel, mas ela terá desaparecido, e também o pecado de Judá, mas não o acharão, porque perdoarei ao resto que tiver poupado” (Jer 50, 20).
          b) O Profeta Ezequiel nos fala de uma dispersão e de um massacre, do qual escapará apenas um resto:
          “Eu vos deixarei um resto, quando vos tiver dispersado entre as nações. Os sobreviventes que escaparem ao massacre se recordarão de mim” (Ez 6,8-9).
          É preciso que esse resto permaneça para contar às gerações futuras as abominações que se fizeram:
          “Hei de poupar um resto deles. Alguns hão de escapar ao gládio, à fome e à peste, para que venham a contar aos povos, entre os quais se estabelecerem, as abominações. E conhecerão eles que sou eu o Senhor” (Ez 12,16).
          c) O Profeta Joel nos ensina que farão parte desse resto os que invocarem o nome do Senhor, e entre eles estarão os que receberam um chamado especial de Deus:
          “Mas todo o que invocar o nome do Senhor será poupado, porque, sobre o monte Sião e em Jerusalém, haverá um resto, como o Senhor disse, e entre os sobreviventes estarão os que o Senhor tiver chamado” (Joel 3,5).
          d) O sacerdote Esdras, cativo juntamente com o povo hebraico na Babilônia, foi dos primeiros a retornar à Palestina. Ele agradece a preservação de um resto, pede perdão a Deus pelos pecados cometidos, e propõe que não mais se cometam as abominações:
          “O Senhor, nosso Deus, testemunhou-nos por um momento a sua misericórdia, permitindo que subsistisse um resto dentre nós, e concedeu-nos um abrigo em seu lugar santo. Nosso Deus quis assim fazer brilhar a nossos olhos a sua luz, e nos dar um pouco de vida no meio de nossa escravidão” (Esdras 9,8).
          “Depois de tudo o que nos aconteceu por causa de nossas más ações e nossa grande culpabilidade, vós nos conservastes, ó nosso Deus, mais do que mereciam as nossas iniqüidades, e deixastes subsistir um resto dentre nós. Poderíamos recomeçar a violar vossas leis, aliando-nos a esses povos abomináveis? [...] Senhor Deus, Vós sois justo, porque presentemente nada mais somos que um resto de sobreviventes; eis-nos aqui diante de vós com nossa falta, porque não poderíamos subsistir em vossa presença depois do pecado” (Esdras 9,13-15).
No primeiro Concílio de Jerusalém e em São Paulo

São Paulo prega aos gentios
Seria um engano crer que a teoria do resto está fundamentada apenas no Antigo Testamento. Naqueles tempos, ao referir-se ao resto do povo eleito, os textos profetizavam também e sobretudo a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo. No Novo Testamento, a mesma teoria reaparece, referindo-se ora ao resto dos pagãos que deveriam converter-se à verdadeira Fé, ora ao resto da outrora nação eleita que deveria ser salvo. Em qualquer dos casos, pode também aplicar-se àqueles que, depois da vinda do Messias e ao longo dos tempos, permanecem fiéis à sua doutrina, ao seu espírito e à sua Igreja, em meio às vicissitudes e calamidades próprias de cada época.
          a) Já no I Concílio de Jerusalém, o Apóstolo São Tiago — citando São Pedro (Simão) e o profeta Amós — ensina que se deveria acolher aqueles componentes do resto das nações pagãs que se converteram:
          “Tiago tomou a palavra: Irmãos, ouvi-me, disse ele. Simão narrou como Deus começou a olhar para as nações pagãs para tirar delas um povo que trouxesse o seu nome. Ora, com isto concordam as palavras dos profetas, como está escrito: ‘Depois disto voltarei, e reedificarei o tabernáculo de Davi que caiu. E reedificarei as suas ruínas, e o levantarei para que o resto dos homens busque o Senhor, e todas as nações, sobre as quais tem sido invocado o meu nome. Assim fala o Senhor que faz estas coisas, coisas que ele conheceu desde a eternidade’” (Am. 9,11s.) (Atos 15,13-18).
          b) O Apóstolo São Paulo, baseando-se em Isaías, mostra que um resto de Israel será salvo, para que não fique tudo como as cidades malditas de Sodoma e Gomorra:
          “A respeito de Israel, exclama Isaías: Ainda que o número de filhos de Israel fosse como a areia do mar, só um resto será salvo; porque o Senhor realizará plenamente e prontamente a sua palavra sobre a Terra (10,22s). E ainda como predisse Isaías: Se o Senhor dos exércitos não nos tivesse deixado um rebento, ficaríamos como Sodoma, seríamos como Gomorra” (Is 1,9) (Rom. 9, 27-29).
          Numa evocativa remissão ao Profeta Elias, São Paulo prossegue mostrando que o novo resto subsiste por uma ação da graça divina:
          “Deus não repeliu o seu povo, que ele de antemão distinguiu! Desconheceis o que narra a Escritura, no episódio de Elias, quando este se queixava de Israel a Deus: Senhor, mataram vossos profetas, destruíram vossos altares. Fiquei apenas eu, e ainda procuram tirar-me a vida?(I Rs 19,10) Que lhe respondeu a voz divina? Reservei para mim sete mil homens, que não dobraram o joelho diante de Baal (I Rs 19,18). É o que continua a acontecer no tempo presente: subsiste um resto, segundo a eleição da graça” (Rom. 11, 2-5).
O Apocalipse fala também de nossos tempos

Apocalipse de São João: por causa da "Mulher vestida de sol", os Anjos lutaram contra os demônios (Basílica do Valle de los Caídos - Espanha)
O Apocalipse é o livro profético por excelência do Novo Testamento. Escrito por São João Evangelista na ilha de Patmos, sob a inspiração direta do Divino Espírito Santo, ele nos fala do futuro da Igreja, das lutas, sofrimentos e alegrias que marcariam a Esposa de Cristo em todos os tempos até o fim do mundo, portanto também do nosso tempo. Nele é marcante a referência ao resto de fiéis que sempre subsistirá em meio às maiores perseguições e abominações dos que não querem arrepender-se de seus crimes.
          “Ao anjo da igreja de Sardes, escreve: Eis o que diz aquele que tem os sete Espíritos de Deus e as sete estrelas. Conheço as tuas obras: és considerado vivo, mas estás morto. Sê vigilante e consolida o resto que ia morrer, pois não achei tuas obras perfeitas diante de meu Deus. Lembra-te de como recebeste e ouviste a doutrina. Observa-a e arrepende-te. Se não vigiares, virei a ti como um ladrão, e não saberás a que horas te surpreenderei. Todavia, tens em Sardes algumas pessoas que não contaminaram suas vestes; andarão comigo vestidas de branco, porque o merecem. O vencedor será assim revestido de vestes brancas. Jamais apagarei o seu nome do livro da vida, e o proclamarei diante do meu Pai e dos seus anjos. Quem tiver ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas” (Ap 3, 1-6).
          O mesmo Apocalipse descreve admiravelmente a perseguição que o demônio (a serpente, o dragão) exerce contra Nossa Senhora (a Mulher), e não podendo atingi-la, lança-se contra o resto de seus filhos fiéis:
          “A Serpente vomitou contra a Mulher um rio de água, para fazê-la submergir. A terra, porém, acudiu à Mulher, abrindo a boca para engolir o rio que o Dragão vomitara. Este, então, se irritou contra a Mulher e foi fazer guerra ao resto de sua descendência, aos que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus” (Ap 12, 15-17).
          Que maior glória do que ser perseguido pelo demônio e seus asseclas, pelo fato de pertencermos ao “resto da descendência” da Virgem Santíssima!? Nada há a temer. Lutemos por Nossa Senhora, vivamos para servi-La, e Ela nos protegerá contra as investidas do dragão maldito, até o momento decisivo em que se consume sua vitória, esmagando para sempre a cabeça da serpente infernal.

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