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quarta-feira, 14 de maio de 2014

COMUNISMO: O Ópio do Povo

Comunismo: Ópio do Povo (Mons. Fulton Sheen)
Bispo Auxiliar de Nova York


INTRODUÇÃO
O Comunismo é essencialmente anti-religioso.

Depois da revolução de Outubro de 1917, foi gravada nas paredes do antigo Paço Municipal de Moscou, defronte da Igreja da famosa imagem da Virgem Ibéria[1], esta inscrição: "A Religião é o Ópio do Povo". Esta inscrição foi tirada de um dos escritos de Karl Marx intitulado: Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Já em 1844 Marx dissera: "A crítica da religião é o começo de toda crítica". A orientação anti-religiosa do Comunismo subsistiu até o presente. O sexto Congresso Mundial, levado a efeito em 1928, estabeleceu o programa do Partido Comunista em relação à religião: "A luta contra a religião, o ópio do povo, ocupa importante posição entre as tarefas da revolução cultural. Esta luta deve ser levada avante persistente e sistematicamente". Mais tarde, na segunda conferência do Instituto Anti-religioso, realizada em Moscou a 15 de Junho de 1934, o Bezbojnik, jornal anti-Deus, declarou que "a educação comunista da criança requer explicitamente a educação anti-religiosa". Em Maio de 1935, recordando o efeito do programa anti-religioso dos comunistas, ele declarava: "Fechamos todas as casas de ópio". Isto era o cumprimento da política de Marx tanto como da de Lenine, que, a 16 de Dezembro de 1905, escrevera: "O nosso programa comunista inclui a propaganda do ateísmo" (Novoya Zhizn N.º 28).

I. A RELIGIÃO É O ÓPIO DO POVO?
Não se faz mister insistir no caráter ateísta do Comunismo, porque ele é suficientemente conhecido tanto na teoria como na prática. Antes de tentar qualquer crítica da sua política, seria bom inquirir precisamente as razões que os comunistas alegam em abono da sua afirmação de que a religião é o ópio do povo. Os comunistas não fizeram essa asserção sem alguma base, porquanto, como Lenine escreveu: "Devemos explicar de um ponto de vista materialista a razão pela qual a fé e a religião prevalecem no meio das massas" (Proletarii N.º 45, 26, (13), Maio de 1909). Resta, portanto, investigar-lhes as alegadas razões.

A Argumentação Comunista
Procurando através da sua literatura de caráter oficial, encontramos que os comunistas invocam três razões em abono da sua afirmação de que a religião é o ópio do povo:
1) A religião ensina aos ricos os seus direitos, e portanto ajuda os ricos na sua exploração dos pobres;
2) A religião ensina aos pobres os seus deveres para com os ricos, e destarte ajuda a exploração dos pobres pelos ricos;
3) A religião, pela sua própria natureza, é passiva, e mata toda atividade por meio da qual o homem possa melhorar a sua condição econômica.

1. "Religião, patrocinando a causa dos ricos".
Lenine desenvolve o primeiro argumento, de que a religião é o ópio do povo porque proclama os direitos dos capitalistas e dos ricos. Desenvolve-o assim: "A religião é uma espécie de tóxico espiritual, no qual os escravos do capital afogam a sua humanidade e embotam o seu desejo de uma existência humana decente" (Novoya Zhizn N.º 28). Acrescenta, mesmo, que a religião incentiva a caridade como uma espécie de escusa para a injustiça. "Porque aos que vivem do trabalho dos outros, a religião ensina a serem caridosos, arranjando assim uma justificação para a exploração, e como se fosse um bilhete barato para o céu" (íbid.). Houharin, na obra oficial do Comunismo intitulada O ABC do Comunismo, desenvolve a mesma idéia: "A religião foi no passado, e ainda é hoje, um dos meios mais poderosos à disposição dos opressores para a mantença da desigualdade, exploração e servil obediência por parte dos trabalhadores" (p. 247).

2. "Religião, sedativo dos pobres".
Os comunistas alegam que a religião é o ópio do povo porque ensina aos pobres os seus deveres para com os ricos, e lhes promete uma outra vida ao invés de melhorar a presente. Lenine escreveu: "A fé ortodoxa é cara a eles porque lhes ensina suportarem os infortúnios "sem queixa". Que fé proveitosa não é essa, realmente — para as classes governamentais t Numa sociedade organizada de tal modo que uma insignificante minoria desfruta a riqueza e o poder, ao passo que as massas constantemente sofrem privação e severas obrigações, inteiramente natural é simpatizarem os exploradores com essa religião que nos ensina a suportar "sem queixa" as dores do inferno na terra, na esperança de um prometido paraíso no céu" (Iskra N.º 16, 14 de Fevereiro de 1902). E novamente: "A religião ensina aqueles que labutam na pobreza toda a sua vida a serem resignados e pacientes neste mundo, e consola-os com a esperança de uma recompensa no céu... O desamparo de todos os explorados na sua luta contra os exploradores gera inevitavelmente a crença numa vida melhor após a morte, tal como o desamparo do selvagem nas suas lutas com a natureza dá nascimento a uma crença em deuses, demônios e milagres" (Novaya Zhizn N.º 28, 16 de Dezembro de 1905).

3. "Religião, entorpecente da humanidade"
O terceiro argumento oferecido pelos comunistas em abono da sua afirmação de que a religião é o ópio do poro é o de que, pela sua própria natureza, a religião torna o homem passivo. Pregando constantemente a resignação à própria sorte e a resignação à vontade de Deus, ela adormenta o homem ativo e torna-o descuidado no tocante à sua condição econômica. Por exemplo, na sua obra O ABC do Comunismo, N. Houharin declara que "há um conflito irreconciliável entre os princípios do Comunismo e os mandamentos da religião". E, como uma evidência do caráter passivo da religião, cita ele o código cristão: "Quem quer que te ferir na face direita, oferece-lhe também a outra". E então acrescenta: "Todo aquele que, embora chamando-se comunista, continua a aderir à sua fé religiosa, quem quer que em nome dos mandamentos religiosos infringe as prescrições do Partido, por isso mesmo cessa de ser comunista. É proveitoso para a classe rapinante manter a ignorância do povo e manter a crença infantil do povo em milagres (a chave do enigma fica realmente no bolso dos exploradores), e é por isto que os preconceitos religiosos são tão tenazes; é por isto que eles confundem as mentes mesmo de pessoas que, a outros respeitos, são capazes'' (p. 248).

Uma distinção a fazer.
Tal é a atitude oficial do Comunismo para com a religião, apresentada nas palavras dos seus melhores expoentes. Resta agora julgar-lhes as razões calma e desapaixonadamente. Antes de iniciarmos uma apreciação crítica desses argumentos, uma reflexão geral deve ser feita, a saber: devemos distinguir cuidadosamente entre o que a religião é naqueles que se professam religiosos, e o que a religião é na sua natureza e no seu programa. No tocante aos que se professam religiosos, deve-se admitir que há alguns exemplos em que a religião foi usada como ópio do povo. Não há dúvida de que às vezes indivíduos inescrupulosos têm usado a religião como um instrumento de exploração e domínio. Pedro o Grande na Rússia, Napoleão na França, e mesmo o último Czar, oferecem exemplos clássicos de semelhante abuso da religião. Um professor da Universidade de Yale, falando do declínio da Cristandade não-católica, atribui isso principalmente à identificação que alguns pregadores têm feito entre religião e uma ordem social decadente que às vezes tem sido ré de exploração.

No tocante a esses indivíduos que têm usado para fins baixos a instituição social da religião, compartilhamos a indignação de Lenine. Porém o que ele e seus companheiros comunistas esquecem é que essas são exceções, e não estão no espírito nem no programa da religião. Nunca poderíamos admitir que a religião que Nosso Senhor fundou tenha favorecido o rico contra o pobre. As palavras de advertência do Mestre ainda nos soam aos ouvidos: "Bem-aventurados os pobres em espírito... Ai de vós que sois ricos... Já tendes a vossa recompensa... As raposas têm tocas, as aves do ar têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde pousar a cabeça". A História inscreveu-o nos seus registros como o Pobre universal, o qual, no seu nascimento, teve de se contentar com um abrigo que não lhe pertencia, e, na sua morte, com um túmulo alheio. A história da religião que Ele fundou é a história de uma Igreja que por dezenove séculos tem cuidado dos pobres e dos fracos e dos enfermos em hospitais e orfanatos e escolas e instituições de caridade, e isso por nenhuma outra razão senão a de que ela vê a Cristo no pobre. Atitude muito infantil, revelando falta de raciocínio crítico da parte dos comunistas, é argüirem eles que, pelo fato de alguns poucos haverem prostituído a santidade da religião, por isto a religião é vil. O fato de haver algumas moedas falsas no mundo não é razão para se abolir o dinheiro; o fato de haver alguns indivíduos que praticam bandalheiras não é razão para se suprimir o governo; o fato de alguns automobilistas serem negligentes não é razão para que se destruam os automóveis; e o fato de haver alguns que traem o Cristianismo não é razão para se destruir o Cristianismo.

Refinação dos Argumentos Comunistas
Resta agora discutir por miúdo os três argumentos dos comunistas.

1. A Religião e os ricos.
Primeiramente, será verdade que a religião é o ópio do povo pelo fato de ensinar aos ricos os seus direitos? Desafiamos os comunistas a apontarem, em toda a história da Igreja, uma única passagem oficial em que ela use a religião como ópio do povo. Karl Marx nos seus melhores momentos e Lenine nos seus mais amargos, nunca protestaram com tanta justiça e com tanta delicadeza e exatidão contra a exploração dos pobres pelos ricos, como o fizeram Leão XIII e Pio XI. Será que esta advertência de Leão XIII, por exemplo, soa como se ele estivesse defendendo os direitos do rico?: "Os ricos e os patrões devem lembrar-se de que explorar a pobreza e a miséria e especular com a indigência, são coisas igualmente reprováveis pelas leis divinas e humanas" (Rerum Novarum, Ed. Vozes, n.º 32). E Pio XI, com maior ênfase, condena os ricos que são réus de exploração e de domínio:

"É coisa manifesta que em nossos tempos não só se amontoam riquezas, mas se acumula um poder imenso e um verdadeiro despotismo econômico nas mãos de poucos, que as mais das vezes não são senhores, mas simples depositários e administradores de capitais alheios, com que negociam a seu talante. Este despotismo torna-se intolerável naqueles que, tendo nas suas mãos o dinheiro, são também senhores absolutos do crédito e por isso dispõem do sangue de que vive toda a economia, e de tal maneira a manejam, que ninguém pode respirar sem sua licença. Este acumular de poderio e recursos, nota característica da economia atual, é conseqüência lógica da concorrência desenfreada, à qual só podem sobreviver ordinariamente os mais fortes, isto é, os mais violentos competidores e que menos sofrem de escrúpulos de consciência. Por outra parte, este mesmo acumular de poderio gera três espécies de lutas pelo predomínio: primeiro luta-se por alcançar o predomínio econômico; depois combate-se renhidamente por obter o predomínio no governo da nação, a fim de poder abusar do seu nome, forças e autoridade nas lutas econômicas ; enfim, lutam os Estados entre si, empregando cada um deles a força e influência política para promover as vantagens econômicas dos seus cidadãos, ou ao contrário empregando as forças e predomínio econômico para resolver as questões políticas que surgem entre as nações" (Quadragesimo Anno, Ed. Vozes, nº 105-108).

Nessa mesma Encíclica o Santo Padre parece insinuar que, a menos que os ricos ponham a sua casa em ordem, devem estar preparados para a subversão da sociedade que o Comunismo fará cair sobre eles: "Digna de censura é a inércia daqueles que não tratam de suprimir ou mudar um estado de coisas que, exasperando os ânimos, abre caminho à subversão e ruína completa da sociedade" (Quadragesimo Anno, Ed. Vozes, nº 112).
Não há aqui, da parte da Igreja, apelo em favor disso a que chamamos liberdade econômica de amontoar riqueza sem consideração com a justiça social; Leão XIII também já condenara esse erro do Liberalismo. As Encíclicas indicam muito bem que a riqueza protege aqueles que a possuem, e não os que não a possuem; que a iniciativa abre novos horizontes para aqueles que podem conseguir a independência, mas não para aqueles que são escravos de salários semanais. Mas, pelo fato de haver a riqueza muitas vezes redundado em exploração, a solução das Encíclicas não é a dos comunistas, que quereriam destituir os homens da sua propriedade. O Santo Padre sustenta que a solução dos nossos males não está na destituição, porém na distribuição; se há ratos no celeiro, não é isto razão para que se toque fogo ao celeiro; é razão somente para que se enxotem os ratos.

Nem é verdade, como Lenine insinuou, que a Igreja pede aos ricos serem caridosos com o fim de cobrirem as suas injustiças, dando-lhes assim um bilhete fácil para o céu. Como Pio XI afirma: "As riquezas terrenas não são garantia daquela bem-aventurança que nunca findará, antes pelo contrário, porquanto os ricos deveriam tremer ante a ameaça de Jesus Cristo — ameaça tão estranha na boca de Nosso Senhor, — de que muito estrita conta deve ser dada ao Supremo Juiz por tudo quanto possuímos". E se isto ainda não é bastante forte, então ouçamos as palavras de Pio XI sobre a caridade em relação com a justiça: "Com tal estado de coisas (divisão da sociedade em duas classes) facilmente se resignavam os que, nadando em riquezas, o supunham efeito inevitável das leis econômicas, e por isso queriam que se deixasse à caridade o cuidado de socorrer os miseráveis; como se a caridade houvesse de cobrir estas violações da justiça, que os legisladores toleravam e, por vezes, sancionavam" (Quadragesimo Anno, Ed. Vozes, n.º 4). Em face destas afirmações oficiais da Igreja, semelhante às quais nem uma simples página existe em toda a literatura comunista, imediatamente evidente deveria ser que a religião não é o ópio do povo pelo fato de ensinar aos ricos os seus direitos. Estas passagens do Santo Padre acentuam, antes, os deveres dos ricos, e para um comunista é muito inconveniente acusar a Igreja de se aliar somente com os ricos, quando às almas a ela consagradas ela pede fazerem voto de pobreza. Não podemos colher uvas de abrolhos; como então poderia a Igreja colher da sua vinha o Pobrezinho de Assis, se plantasse somente o amor dos ricos?

2. A Religião, defensora dos pobres.
A Igreja nunca foi unilateral a ponto de ensinar aos pobres somente os seus deveres. Os comunistas não podem apontar uma simples linha, em toda a história da Igreja, na qual ela tenha pedido aos pobres se submeterem à exploração. Pelo contrário, a Igreja ensina que o Estado tem deveres para com os pobres. Leão XIII diz: "Assim como o Estado pode tornar-se útil às outras classes, assim também pode melhorar muitíssimo a sorte da classe operária; .. .e quanto mais se multiplicarem as vantagens desta ação de ordem geral, tanto menos necessidade haverá de recorrer a outros expedientes para remediar a condição dos trabalhadores" (Rerum Novarum, Ed. Vozes, n. 48). Não é apenas uma questão de caridade para com o pobre; é, antes, uma questão de verdadeira justiça, e uma questão que reclama aplicação estrita, se não por outra razão, ao menos pelo fato de serem os pobres a maioria.
"Os pobres, com o mesmo título que os ricos, são, por direito natural, cidadãos; isto é, do número das partes vivas de que se compõe, por intermédio das famílias, o corpo inteiro da nação, para não dizer que em todas as cidades são o grande número. Como, pois, seria desrazoável prover a uma classe de cidadãos e negligenciar outra, torna-se evidente que a autoridade pública deve também tomar as medidas necessárias para salvaguardar a salvação e os interesses da classe operária. Se ela faltar a isto, viola a estrita justiça que quer que a cada um seja dado o que lhe é devido. A esse respeito S. Tomás diz muito sabiamente: "Assim como a parte e o todo são em certo modo uma mesma coisa, assim o que pertence ao todo pertence de alguma sorte a cada parte" (II-II, q. 61, a. 1,

2). É por isso que, entre os graves e numerosos deveres dos governantes que querem prover, como convém, ao bem público, o principal dever, que domina todos os outros, consiste em cuidar igualmente de todas as classes de cidadãos, observando rigorosamente as leis da justiça, chamada distributiva" (Rerum Novarum, Ed. Vozes, n. 49).

Se houver possibilidade de escolha, devem os pobres ser favorecidos de preferência aos ricos: "Na proteção dos direitos particulares, o Estado deve preocupar-se, de maneira especial, dos fracos e dos indigentes. A classe rica faz das suas riquezas uma espécie de baluarte e tem menos necessidade da tutela pública. A classe indigente, ao contrário, sem riquezas que a ponham a coberto das injustiças, conta principalmente com a proteção do Estado. Que o Estado se faça, pois, sob um particularíssimo título, a providência dos trabalhadores, que em geral pertencem à classe pobre" Rerum Novarum, Ed. Vozes, n. 54).

É precisamente contra a exploração dos pobres que o Pontífice protesta, e em particular contra essa exploração que o Comunismo pratica, a saber, o trato dos homens como outros tantos estômagos a fazerem dinheiro para o Estado.

"No que diz respeito aos bens naturais e exteriores, primeiro que tudo é um dever da autoridade pública subtrair o pobre operário à desumanidade de ávidos especuladores, que abusam, sem nenhuma discrição, das pessoas como das coisas" (Rerum Novarum, Ed. Vozes, n. 59).

Nem é verdade, como diz Lenine, que a Igreja não faz outra coisa senão ensinar "aqueles que labutam na pobreza a vida toda a serem resignados e pacientes neste mundo, e consolá-los com uma recompensa no céu". A verdade é o contrário: "Nem se pense que a Igreja se deixa absorver de tal modo pelo cuidado das almas, que põe de parte o que se relaciona com a vida terrestre e mortal. Pelo que em particular diz respeito à classe dos trabalhadores, ela faz todos os esforços para os arrancar à miséria e procurar-lhes uma sorte melhor. E, certamente, não é um fraco apoio que ela dá a esta obra só pelo fato de trabalhar, por palavras e atos, para reconduzir os homens à virtude. Os costumes cristãos, desde que entram em ação, exercem naturalmente sobre a prosperidade temporal a sua parte de benéfica influência; porque eles atraem o favor de Deus, princípio e fonte de todo o bem; comprimem o desejo excessivo das riquezas e a sede dos prazeres, esses dois flagelos que freqüentes vezes lançam a amargura e o desgosto no seio mesmo da opulência (1 Tim 6, 10); contentam-se enfim com uma vida e alimentação frugal, e suprem pela economia a modicidade do rendimento, longe desses vícios que consomem não só as pequenas, mas as grandes fortunas, e dissipam os maiores patrimônios" (Rerum Novarum, Ed. Vozes, n. 42).

Para que não fosse deixado vago o interesse pela prosperidade terrena do homem, Pio XI adita à concreta sugestão de Leão XIII uma recomendação que é o contrário do Comunismo, como seja — ajudar os trabalhadores a possuírem a propriedade. Não arrancá-la e tornar milionários os "leaders" do Partido Comunista; porém dá-la aos pobres como posse deles: "É, pois, necessário empregar energicamente todos os esforços, para que, ao menos de futuro, as riquezas granjeadas se acumulem em justa proporção nas mãos dos ricos, e, com suficiente largueza, se distribuam pelos operários; não para que estes se dêem ao ócio, — já que o homem nasceu para trabalhar como a ave para voar, — mas para que, vivendo com parcimônia, aumentem os seus haveres, aumentados e bem administrados provejam aos encargos da família; e, livres assim de uma condição precária e incerta qual é a dos proletários, não só possam fazer frente a todas as eventualidades durante a vida, mas deixem ainda por morte alguma coisa aos que lhes sobrevivem" (Quadragesimo Anno, Ed. Vozes, n. 61).

3. A Religião, estimuladora das atividades humanas.
Consideremos agora o argumento dos comunistas de que a religião torna o homem passivo.

a) Provavelmente, não haverá maior perversão da verdade do que esta afirmação do Comunismo. O contrário é que é verdade. A religião é essencialmente dinâmica. A Igreja, é verdade, prega-nos a resignação à nossa própria sorte, mas isto não significa passividade. Antes, é uma resignação orientada para a ação. Resignação significa aceitação da nossa sorte enquanto se aguardam melhores coisas que devem ser alcançadas não por meio de revolução, mas mediante atuação inteligente. Não é esta a atitude de uma mãe para com seu filhinho? Ela se resigna à infância deste, mas isto não quer dizer que ela se recuse a criá-lo e educá-lo até que ele entre na adolescência e na maturidade. O lavrador que semeia a sua semente resigna-se ao fato de ter ela de crescer mediante um processo lento, misterioso, pois nem em pensamento pode ele aumentar um côvado à sua própria estatura. Porém semelhante resignação não significa que ele não deva cultivar a sua seara, ou não deva extirpar o joio ou receber com agrado a ação do sol e da chuva. De igual modo, quando a Igreja fala de resignação cristã, entende dizer que devemos trabalhar efetivamente pela melhoria social como o lavrador o faz com sua semente, isto é, que nos devemos capacitar de que toda reforma deve proceder de uma verdadeira consideração da natureza da coisa a ser reformada. Ela repudia o sistema comunista, por saber que não se pode criar um paraíso terrestre econômico mediante uma revolução, tão pouco como se pode fazer uma criança crescer acendendo-lhe uma bomba debaixo do berço.
b) Por que é que os comunistas não podem ver esse fato óbvio de que, se a religião acentuasse a passividade do homem, então nunca admitiria a terrível realidade do pecado? O pecado não significa que o homem é consciente, deliberado e ativo, e que a criatura pode levantar o seu Non serviam contra o Criador? O próprio símbolo do Cristianismo, que é a Cruz, atesta melhor do que qualquer outra coisa a atividade do homem na religião. Diante dessa Cruz o homem não pode ficar indiferente; não pode ser passivo; ou tem de pregar nela o Salvador, ou tem de subir a ela para ser crucificado com Ele. Se a religião é passiva, por que então os comunistas hão de ser tão ativos para destruí-la? Acaso organizamos exércitos para matarmos aquilo que acreditamos serem cães mortos? Se a religião é passiva, por que então incentivava o martírio entre os católicos na Espanha? Realmente, se a religião é um ópio, é uma estranha espécie de ópio que faz mártires.

c) Além disto, se for verdade que o Cristianismo lança toda a responsabilidade sobre Deus, então como explicarmos a sua filosofia do progresso técnico? De acordo com a Igreja, todo progresso na ciência e na tecnologia é devido à livre atividade do homem. Por que é que ela condena o quietismo, senão por ser ele bastante néscio para esperar que Deus diga por nós as nossas preces, como néscio é esperar que Deus venha em pessoa cultivar as nossas searas? Deus dá ao homem a graça para elevá-lo e sustentá-lo num estado sobrenatural; mas a invenção das suas máquinas, o incremento da sua agricultura, a melhoria da sua condição econômica deve vir dele mesmo, como causa secundária, ainda mesmo quando ele reconheça a Deus como causa primária. Um dos princípios mais básicos da filosofia católica é que o controle sobre a natureza, que é o requisito da ciência, só é possível a um espírito superior à natureza. Quer isto dizer que todo progresso científico, todo progresso técnico e adiantamento cultural procede do homem, cuja liberdade é conseqüência da espiritualidade da sua alma. Por que é que as pedras não podem conhecer? Por que é que a erva não pode pensar e refletir no seu crescimento? Por que é que o ferro, nas entranhas da terra, não pode clamar pela sua libertação? É porque essas coisas não têm um espírito desligado da sua materialidade; é porque cada uma delas está tão imersa na matéria, que não pode voltar-se sobre si mesma para jazer alguma coisa consigo mesma. Mas um homem pode justamente fazer isso; pode pensar sobre si mesmo, entristecer-se com os seus fracassos e alegrar-se com os seus êxitos, porque tem uma alma que transcende à matéria. É o espírito que o torna livre; e, pelo fato de ser livre da matéria, ele pode transformar a matéria: converter árvores em estátuas, pedras em edifícios, carvão em calor, e a insignificância de um carbono no brilho de um diamante. Porém o Comunismo, partindo do princípio de que só há matéria, é, por isso, incapaz de explicar o progresso científico, ou por que razão o homem pode edificar mil cidades diferentes, e uma formiga tem de construir sempre um formigueiro. Negar o espírito é negar a liberdade, negar a liberdade é arruinar a atividade criadora do homem — e tal é a essência do Comunismo. Daí achar-se ele na contingência de deixar inexplicada a própria coisa que ele exalta, ou seja o progresso técnico. Ele nos diz que a civilização muda com as suas ferramentas, mas não nos diz por que razão o homem faz ferramentas e não as fazem os esquilos. De fato, se há filosofia que torne o homem passivo, é a filosofia que diz ao homem que ele é apenas material; porquanto podeis imaginar algo mais passivo do que uma ferramenta?

d) Finalmente, a religião é dinâmica porque se interessa pelo futuro. O Comunismo assevera que os pensamentos acerca do futuro tornam o homem passivo. Se isto é verdade, por que então eles insistem tanto no Plano Qüinqüenal? É o futuro ou é o presente que faz a vaca ficar satisfeita com o seu pasto? A verdade é esta: quanto mais ideal é o futuro, tanto mais forte é o incentivo à ação. O simples fato de eu ter que tomar uma refeição amanhã não reclama grande ação da minha parte hoje. Mas o fato de eu querer ser médico ou advogado em dez anos dá-me energias para dez anos de estudo. Ora, o futuro que a religião ostenta diante do homem não é somente uma consciência tranqüila todos os dias da sua vida, mas também uma eterna recompensa na outra. Destarte o cristão é convidado a ser um homem de ação tal, que, se lhe forem dados dez talentos, deve ele ganhar mais outros dez para conquistar o reino dos céus, e, se lhe forem dados cinco, deve ele ganhar mais cinco; porém ai dele se for passivo e enterrar o seu talento dentro de um guardanapo — então, até mesmo aquilo que ele tem ser-lhe-á tirado. A religião é tão ativa que baseia o seu incentivo numa intérmina vista de perfeição. Ao cristão é dito que ele deve não somente correr a corrida ou combater o bom combate, porém ganhar; e que a coroa só virá àqueles que são bastante enérgicos para tomar uma cruz, ser benignos para com os que blasfemam, bendizer os que os perseguem e dizer "perdoai-lhes" até mesmo àqueles que nos pregam numa cruz. Isto é ação, e o comunista que disser que não é deve experimentar viver por um dia a vida ativa de um santo. Então descobrirá que, quando se rouba a um homem o seu ideal futuro, rouba-se a esse homem a sua força motriz para agir. Porquanto, se esta vida é tudo, então que diferença faz, para o regime comunista, que eu viva mal ou bem? Se esta vida presente é um mero sonho entre dois vácuos, então por que construir um túmulo para Lenine e não o construir para um fiel cavalo velho numa fazenda coletiva? Se ambos têm o mesmo fim, e se ambos são materiais, então por que um deve ser honrado de preferência ao outro? Certamente, no fundo dos seus corações os comunistas devem perguntar-se que lhes aproveita encherem o mundo de tratores e perderem suas almas imortais. E, do momento em que eles fizerem a si esta pergunta, começarão a ser ativos como os cristãos, planejando não somente como hão de salvar suas colheitas, mas também como hão de salvar as suas almas.

II. O COMUNISMO É O ÓPIO DO POVO!
Sucede com freqüência certos indivíduos acusarem outros de pecado, com o fim de encobrirem os seus próprios. Isto também é verdade no Comunismo. Este tem acusado a religião de ser o ópio do povo, para encobrir o fato de ser o próprio Comunismo o ópio do povo. E por que é ele o ópio do povo? Por três razões :
1) Porque explora os pobres, submetendo-os à vontade do Partido Comunista;
2) Porque adormece os pobres prometendo-lhes algo que ele nunca pode dar, a saber: um paraíso terrestre;
3) Porque torna o homem passivo, fazendo-o um instrumento do Partido Comunista.

1. O Comunismo justifica a exploração do trabalhador pelo Partido.
O Comunismo é o ópio do povo porque mascara as injustiças da exploração comunista; ou, trocando apenas uma palavra numa sentença de Lenine: "O Comunismo é uma espécie de intoxicação espiritual que fornece uma justificação para a exploração". Ele engana o proletariado dentro da crença de que eles devem sofrer tudo para estabelecer a revolução mundial, ao passo que o Partido em controle se ceva em poder, privilégio e luxo. Para compreender esta afirmação devemos considerar o fato de que há menos de três milhões de membros do Partido Comunista na Rússia, e de que, pelo terror e pela propaganda, esses poucos milhões governam cento e sessenta milhões. A máscara favorita do Partido para a exploração é o seu ódio ao capitalismo, capitalismo que ele diz ter reduzido os trabalhadores a pó. Na realidade, o Comunismo não é inimigo do capitalismo. Antes, o Comunismo tem ignorado certos aspectos benéficos do capitalismo, e tem elevado a uma filosofia da vida todas as suas formas perversas e corrompidas. O capitalismo disse que o fim econômico é o principal fim do homem; o Comunismo diz que o fim econômico é o único fim do homem. O capitalismo muitas vezes pagou ao operário um salário tão baixo, que este não podia possuir casa própria; o Comunismo paga um salário ainda mais baixo, e nega ao operário o direito de possuir sua casa. O capitalismo desenvolveu o egoísmo individual; o Comunismo gera o egoísmo coletivo. O capitalismo concentrou a riqueza nas mãos de alguns; o Comunismo concentra a riqueza nas mãos do Partido. O capitalismo até certo ponto controlou o contrato de salário, controlando a maioria dos empregos; o Comunismo elimina o contrato de salário, controlando todos os empregos; nele há só um patrão, o Partido, e, se recusardes trabalhar para esse patrão, perdereis o direito de comer — pois na Rússia não há caridade. O Comunismo é o capitalismo enlouquecido, e um comunista é um capitalista que tem ganância no coração mas não tem dinheiro no bolso.

Ponha-se uma vez a máscara do Comunismo, e a exploração dos trabalhadores é fácil; se o Plano Qüinqüenal falhar, lance-se a culpa sobre os operários nos campos, por haverem recusado cooperar com os ideais do Partido. Que pensaríamos nós se o Ministério da Agricultura fuzilasse trinta e cinco dos seus funcionários, sem processo, por causa de um fracasso de colheita, ou se o Governo fuzilasse quarenta e oito dos seus especialistas, sem processo, por haver a produção declinado? Todavia, foi justamente isto que o Partido Comunista fez em 1930 e 1933. Que sucederia no nosso País se alguma grande organização produtora afixasse amanhã de manhã no seu quadro de avisos o Código 47 da União Soviética, para o fim de que todo empregado que faltasse ao trabalho por um dia perdesse o emprego, e ele e sua família fossem privados das suas posses (Izvestia, 21 de Novembro de 1932)? Não chamaríamos de explorador o nosso Governo se, na sua ânsia de colher uma grande safra, mesmo na área seca, publicasse uma nota proibindo os agricultores de comerem as próprias espigas de milho que eles haviam plantado e cultivado? Contudo, foi isto o que o Partido Comunista fez aos famintos lavradores das fazendas coletivas na Rússia, rezando a nota: "O culpado deve ser fuzilado e seus bens confiscados" (Izvestia, 8 de Agosto de 1932). Suponde que, por causa do decréscimo nas colheitas, o nosso Departamento de Agricultura ordenasse às crianças "guardarem os campos mesmo durante a noite, desde que tenham oito anos de idade" (Moldaia Guardia, 17 de Agosto de 1935); não seria isto uma máscara para encobrir a mais diabólica espécie de exploração? Suponde, ademais, que o Presidente confiscasse toda propriedade privada, e depois, em nome de um Brasil maior, fizesse o lavrador pagar, por uma broa ou por um pão, dezenove vezes mais do que o governo deu ao lavrador pelo seu trigo (Izvestia, 26 de Setembro de 1935)! Contudo, esta é a situação na Rússia, país sem intermediários, porém com centenas de funcionários desonestos.
Certamente, se o termo exploração pertence a alguém, deve ser aplicado àqueles que o usam mais para encobrir os seus próprios pecados, ou seja àquele país onde o Comunismo ilude o explorado trabalhador mantendo baixos os salários dos funcionários públicos e altos os seus privilégios — tais como cartões especiais, casas de férias, carros particulares, transporte especial e casas de luxo; — onde o operário é tão explorado para efeito de comércio exterior e de propaganda, que em 1934 o Estado produziu para cada cidadão, no seu clima frio, somente 2/5 de uma jarda de fazenda de lã e 11/10 de jardas de fazenda de linho (Izvestia, 22 de Abril de 1935), e para cada 4,5 pessoas somente um par de sapatos. A exploração torna-se nada menos que criminosa quando diz aos trabalhadores que há tanto trigo que eles não precisam mais de racionamento de pão; mas, de fato, fecha os armazéns das cooperativas onde eles podem comprá-lo a preço mais ou menos razoável, e força-os a comprar em armazéns comerciais onde se sabe que o preço é muitas vezes mais alto. Em virtude desta exploração, o Partido Comunista alardeou haver aumentado a sua renda de vinte e quatro bilhões de rublos para 1935 (Za Ind., 9 de Fevereiro de 1935). Não é, pois, de admirar que uma das anedotas mais populares na Rússia seja a de um explorado operário pendurado precariamente a um coletivo superlotado, e que, quando viu Stalin e seus ajudantes passarem perto num Rolls-Royce, observou sarcasticamente: "Eu sou o patrão. Esses são os meus caixeiros".

2. O Comunismo engana o pobre com a esperança falaz de um paraíso terrestre.
O Comunismo é o ópio do povo porque adormece os pobres prometendo-lhes algo que nunca lhes pode dar, ou seja um paraíso terrestre. Mudando apenas uma palavra numa sentença de Lenine: "O Comunismo ensina aqueles que labutam toda a sua vida em pobreza a serem resignados e pacientes neste mundo, e consola-os pelo pensamento de um paraíso terrestre". Singular espécie de paraíso esse, que é inaugurado pelo morticínio, pelo exílio e pelo confisco; estranha espécie de paraíso esse, que espera estabelecer a fraternidade pregando a luta de classes, e estabelecer a paz praticando a violência. Estranha espécie de paraíso esse que tem de recorrer ao temor e à tirania para impedir que alguém "escape" dele. Um anjo teve de conduzir Adão e Eva para fora do Éden; mas parece que tantos foram os que tentaram escapar do paraíso de Stalin, que este publicou um decreto no Izvestia de 9 de Junho de 1934, para o efeito de que, se alguém tentasse fugir, a sua família inteira seria mandada para o exílio e para o trabalho forçado por cinco anos, mesmo se não soubesse nada da intenção dele; também seria privada dos direitos eleitorais, o que significava perda dos cartões de alimentação. Estranho paraíso esse em que, no meio de uma fome, Kalinin, o Presidente da U. S. S. R., disse aos camponeses que as colheitas eram pequenas porque eles comiam pão demais (Izvestia, 10 de Janeiro de 1936). O Comunismo é realmente o ópio do povo quando, de um lado, permite que pelo menos cinco milhões de pessoas morram de fome na Ucrânia e no norte do Cáucaso pelo fato de o Estado exigir dos operários duas ou três vezes a safra dos anos anteriores; e, de outro lado, anuncia no seu jornal, o Pravda (28 de Julho de 1933) : "A União Soviética é o único país no mundo que não conhece a pobreza". Não admira que o povo russo diga que não há Verdade (Pravda) nas Novidades (Izvestia) e não há Novidades na Verdade.

O Comunismo é realmente o ópio dos pobres quando lhes diz que aboliu completamente o desemprego na Rússia, embora ocultando o trágico fato de que qualquer país estaria sem desemprego se houvesse nele conscrição de trabalho em massa. Lá, o homem desempregado tem de aceitar trabalho onde quer que este lhe seja oferecido, mesmo quando a mil milhas de distância, porque não há senão o Estado que emprega; e, se o operário recusar o emprego, não poderá ir para nenhum outro lugar. O Brasil também poderia abolir o desemprego se o Presidente assumisse poderes ditatoriais e declarasse que cada cidadão tinha de fazer para o Estado um trabalho prescrito, em troca de comida e de roupa. Chamberlin, que passou doze anos na Rússia, declarou que as famílias socorridas na América estão em melhores condições do que muitos dos lavradores russos. Knickerbocker, jornalista americano, comparando o custo de vida na U. S. S. R. e nos Estados Unidos, avaliou o salário diário de um kolkhozian (lavrador numa fazenda coletivista) em oito centavos americanos. Para que essa estimativa não seja considerada falsa, seria bom reportar-se ao Jornal de Instrução Comunista (publicação comunista, 18 de Novembro de 1934), onde é declarado que um lavrador que conserva consigo uma vaca deve dar ao Estado, por esse privilégio, 136 quartilhos de leite e 50 libras de carne. O salário médio de um trabalhador na Rússia é de 225 rublos por mês. Uma indicação do poder de compra desse salário é proporcionada pelo fato de ser preciso o salário de três semanas para comprar um par de sapatos (Sovietskaia Torgovlia, Ns. 99 e 110, 1936). Há algumas cidades na Rússia onde é quase impossível comprar umas calças, p. e., Kharkov, Gorki, Rostov (Izvestia, 10 de Março de 1936). O diário oficial de Moscou diz: "Nenhum armazém em Moscou pode dizer quando será possível fornecer mercadoria" (Izvestia, 28 de Junho de 1936). Mikoyan, o Comissário da Indústria de Alimentação, disse: "Na República Soviética estamos acostumados a ter somente mercadorias de má qualidade, e sempre em quantidades insuficientes" (Izvestia, 27 de Dezembro de 1935). Soulimov, Presidente dos Comissários do Povo, disse: "Tudo está a um nível muito baixo, exceto os preços, que são exorbitantes" (Pravda, 31 de Julho de 1936).

E assim a citação de fatos poderia prosseguir indefinidamente. Todos eles contam a mesma história, a saber: o Comunismo é o ópio do povo porque explora os pobres prometendo-lhes o impossível, mesmo nesta vida. A Religião, é verdade, faz crer numa vida futura; mas nunca pediu aos homens que, na esperança de uma sorte futura, se resignassem a condições tais como existem na Rússia. Quem quer que leia o autorizado livro do Dr. Ewald Ammende, A Vida Humana na Rússia (Alien and Unwin, 1936, Londres), verá como os russos se acham mal sob o domínio dos comunistas. As fotografias das vítimas da fome por si só contam uma história, independentemente do texto. Ali não somente sofre a vida humana, mas sofre até mesmo a vida animal.

3. O Comunismo escraviza o cidadão, reduzindo-o a mero instrumento do Partido.
O Comunismo é o ópio do povo porque, colocando toda iniciativa e responsabilidade sobre o Partido, destrói a personalidade do homem, e o torna passivo. Nos países do mundo, tais como o nosso, onde o governo é distinto de um partido, um homem é livre de afirmar a sua personalidade e de escolher o seu destino. Sob o Comunismo, só há um partido, e é o Partido Comunista. Suponhamos por exemplo que no Brasil o Partido Democrático estivesse no poder; suponhamos que os membros desse partido exilassem ou matassem todos os membros dos outros partidos como "contra-revolucionários"; poderíamos dizer que um cidadão sob tal regime era livre de afirmar a sua personalidade? E, no entanto, tal é a filosofia do Comunismo, onde há somente um partido, e esse partido é o governo. Necessariamente o homem tem de ser passivo sob um sistema que também afirma que as leis econômicas são as determinantes da cultura, e que não são as idéias, porém as mudanças de ferramentas, que determinam as mudanças de civilização.

Paralelo entre Cristianismo e Comunismo.
Note-se a diferença entre a visão Cristã e a visão Comunista do homem:
a) Para o Cristão, o homem é livre, porque a sua iniciativa vem de dentro, a saber, da sua alma. Ele pode ser comparado a um capitão de navio, que é livre de traçar o seu próprio curso e de escolher o seu próprio porto.
b) Para o Cristão, o homem é um sujeito. Um sujeito pode determinar suas ações, como o artista pode livremente pintar quaisquer pinturas que escolher.
c) Para o Cristão há duas espécies de unidade: unidade político-econômica, e unidade orgânico-espiritual, pela qual nós somos membros uns dos outros no Corpo Místico de Cristo.
d) Para o Cristão, o homem é um cidadão de dois mundos, e, em virtude do segundo, ele possui certos direitos inalienáveis, tais como a vida, a liberdade e a propriedade, dos quais nenhum Estado pode privá-lo.
e) Para o Cristão, o homem existe não somente no presente, mas também no futuro. A personalidade é independente do tempo, porque tem um valor intrínseco em todos os tempos.
f) Para o Cristão, o homem deve determinar a natureza da sociedade e ser o senhor desta.

a) Para o Comunista, o homem não é livre, porque a sua iniciativa vem de fora, i. é, do Partido, que dita não somente o que ele deverá fazer, mas também o que deverá pensar. Ele é como o leme de um navio, que vai para onde quer que o dirija o comandante, que é o ditador do Partido.
b) Para o Comunista, o homem é um objeto. Um objeto não pode agir, mas é acionado como um autômato social, e torna-se como o cinzel na mão de um escultor.
c) Para o Comunista, só há uma espécie de unidade — a unidade político-econômica, que é realizada não de dentro, por laços espirituais, mas de fora, pela força, pelo terror e pela propaganda.
d) Para o Comunista, o homem é cidadão de um só mundo, e, desde que o Estado é tudo, daí se segue que o homem não tem direitos salvo aqueles que o Estado lhe deu. Por conseguinte, quando o entender, pode o Estado tirar-lhe esses direitos.
e) Para o Comunista, a personalidade é relacionada ao tempo. O homem é alienado da sua humanidade no presente, para atingir uma humanidade duvidosa num paraíso terrestre no futuro. Tal como o expõe Lenine: "Durante o período da ditadura em que não haveria liberdade, o povo acostumar-se-ia às novas condições e sentir-se-ia livre numa sociedade comunista" (O Estado e a Revolução).
f) Para o Comunista, o homem é determinado pela sociedade, completamente absorvido e possuído por ela, e nela perde a sua identidade como uma gota de água perde a sua identidade num copo de vinho. Em vez de ser o senhor da sociedade, ele é o escravo dela.

Em resumo: O conceito cristão do homem é ativo — o homem é livre; o conceito comunista do homem é, necessariamente, passivo — o homem é um animal social obediente, cuja mais alta função é realizar o Piatiletka (Plano Qüinqüenal). Destarte sucede que o Comunismo, que começou por protestar contra a desumanidade do capitalismo, acabou por descapitalizar o capitalismo com a sua própria desumanidade. O homem, para o Comunismo, não é um espírito livre, uma personalidade, porém função de um processo social. O que é primário no Comunismo é o Partido, e o Partido controla o Estado. Criando uma opinião pública que ele representa como a única possível, o Estado Soviético torna impotente a vontade do indivíduo, e guia na direção que bem lhe aprouver a vontade, aparentemente espontânea e livre, das massas. Mesmo na nova Constituição proposta na Rússia, aos cidadãos não será permitido votar em diferentes partidos, mas somente em diferentes homens do mesmo partido. Que protesto não fariam os brasileiros se cada eleição fosse uma nomeação, e se eles só pudessem votar numa chapa! Como Troud, o órgão oficial dos operários soviéticos, o expõe: "A diferença essencial entre a existência de partidos no Mundo Ocidental e no nosso pais é a seguinte: um partido está no poder e todos os outros estão na prisão" (13 de Novembro de 1927). O Comunismo criou uma instituição especial para tornar o homem passivo ao Partido, e tão cruel foi a perversidade dela, que, por amor da opinião mundial,, julgou-se necessário mudar-lhe o nome de vez em quando; primeiramente foi a Cheka, depois a Ogpu, e agora é o Comissariado Interno. Em 1931, quando Lady Astor se encontrou com Stalin, perguntou-lhe à queima-roupa: "Por quanto tempo ainda vai o sr. continuar matando gente?" Apanhado desprevenido, Stalin respondeu: "Por tanto tempo quanto for necessário".

A subida de Stalin ao poder.
Mas poderíamos prosseguir, perguntando: necessário para quê? E a resposta seria: necessário para a vontade do Partido. E quem é a vontade do Partido? São os indivíduos que o controlam. As lutas aparentemente profissionais por trás de diferentes ideologias, na realidade, são apenas a capa de lutas pelo poder promovidas por diferentes indivíduos, sendo a vítima em cada caso o cidadão-títere. A luta entre os exilados Trotsky, Kamenev, Zinoviev (este último que concebeu a idéia de mumificar Lenine) e Stalin é uma triste história de ambição pessoal. Lenine, como deverá ser lembrado, declarou expressamente no seu testamento que Stalin era demasiado inclinado a concentrar o poder em suas mãos, para poder ser seu sucessor. Como foi que Stalin se tornou ditador, isto é a história de como Stalin mentiu a Trotsky sobre a data do funeral de Lenine, é a história de como ele foi bem sucedido, no Terceiro Congresso, em fazer que o testamento fosse lido perante uma comissão escolhida a dedo, e não no plenário; é por isto que o testamento de Lenine ainda não foi publicado na Rússia.

O verdadeiro ópio do povo.
Não há ópio pior do que aquele que adormece as personalidades de uma nação reduzindo-as ao estado de formigas que não têm direitos que o Estado seja obrigado a respeitar. Enquanto o direito do indivíduo de gozar de liberdade não for considerado como superior à vontade do Partido, e enquanto a verdade não significar alguma coisa mais do que aquilo que o Estado prescreve, e a falsidade alguma coisa mais do que aquilo que o Estado opõe; enquanto a justiça não significar mais do que a mantença de poder do Partido; enquanto a paz não significar mais do que uma ditadura de ferro; — o Comunismo deve estar preparado para ser chamado, o que na verdade é, o ópio do povo. E não o é somente tornando o homem passivo e inerte, é também martirizando-lhe a natureza, tentando quebrar o molde em que Deus o vazou e expulsar dele a humanidade pela força, como Pilatos, flagelando a Cristo, tentou expulsar dele a divindade.
Imaginando o Brasil sob o regime comunista.

Suponhamos por exemplo que no Brasil houvesse somente um partido; que esse partido se mantivesse no poder por meio da Polícia, do Exército e da Marinha; e que cada senador ou deputado que criticasse esse partido fosse exilado ou morto; suponhamos que o Presidente estabelecesse uma censura tal como existe na Rússia, e que todo livro que fosse publicado e todo jornal que fosse impresso e todo programa de teatro que fosse distribuído tivesse de glorificar o partido e de trazer o Imprimatur deste; suponhamos, além disso, que o Presidente controlasse toda estação de rádio e toda agência de informações, e não permitisse entrarem no Brasil livros ou revistas estrangeiras que criticassem o seu partido; e suponhamos que qualquer suspeita de falta de simpatia expusesse a pessoa à perda do seu emprego, e o fato de haver pertencido a um partido oposicionista condenasse a pessoa ao exílio; suponhamos que a polícia pudesse punir alguém sem processo; suponhamos que todas as nossas casas, fábricas, fazendas e terras fossem postas nas mãos do partido, para este fazer delas o que bem entendesse, e que as nossas igrejas fossem convertidas em celeiros e museus — suponhamos todas estas coisas como acontecendo aqui no Brasil e teremos uma pintura do que sucedeu na Rússia. E, se eu vos perguntasse o que deveria acontecer-vos antes de renderdes a vossa atual liberdade e independência — vós diríeis que primeiramente teríeis de ser prostrados inconscientes. Foi isso justamente o que o Comunismo fez na Rússia com a sua propaganda — prostrou-os na inconsciência.

Que é o ópio? É uma droga que amortece as potências intelectuais do homem, mas deixa continuarem as suas funções animais e vegetativas. Um homem sob a influência dele não pode pensar, mas pode digerir; não pode querer, mas ainda pode respirar. Por outras palavras, é como um animal e não como um homem.

Ora, qual dos dois merece ser chamado ópio — a religião ou o Comunismo? A religião pede intelecto; começa pedindo ao homem usar a sua razão para descobrir o grande Legislador por trás da lei, o grande Pensador por trás de todo pensamento, a Beleza Perfeita por trás de toda poesia. Feito isto, pede à razão estabelecer critérios científicos para julgar a possibilidade de haver-se Deus alguma vez revelado a nós de qualquer outro modo que não pela sua atividade criadora; e, uma vez estabelecidos estes critérios, aplica-os Àquele que apareceu na terra e pretendeu ser o Criador do mundo. Só depois que esse Pretendente provou a sua Divindade por coisas divinas, racionalmente reconhecíveis, é que o intelecto opera a sua submissão à verdade d'Ele. Depois, pegando do telescópio da fé, que não destrói a razão como o telescópio material não destrói o olho, ele entra em comunicação com outros mundos com que a razão nunca sonhou. Isso é a religião — e uma religião assim pede que o homem conserve bem viva a sua razão.

Porém o Comunismo adormece a razão; diz ao homem que não procure uma causa para este mundo, que não se admire de que a gente tenha medo de morrer, que não pergunte por que é que uma ação má enche de remorso a consciência, e uma ação boa a enche de paz. Diz ao homem que tudo o de que ele precisa para ser um cidadão no Estado Comunista é ter um estômago e duas mãos; por outras palavras, é ser um animal econômico a amontoar riqueza para o Estado, e depois morrer, como uma besta, mesmo sem ter um Zinoviev para o mumificar. Todo regime que faz isto a seres humanos está-lhes negando aquilo que os diferencia dos animais, e está criando uma nova escravidão em que a mente e a vontade são atadas com grilhões — escravidão mil vezes mais amarga do que a escravidão do corpo. Os governos do mundo estão gradualmente fechando o cerco àqueles que traficam em narcóticos e drogas; e muito breve os povos inteligentes do mundo atentarão sobre o mal feito pelo ópio que vem da Rússia e da propaganda comunista. Esse ópio já arruinou milhões de pessoas na Rússia, mas não se deve permitir que arruíne o mundo.

A guerra do Comunismo contra a religião.
A guerra do Comunismo contra a religião continuará — não num plano intelectual, mas num plano muscular e militar, ou seja no plano da força. Eles não podem atacar inteligentemente a religião. Eles nunca conseguiram sequer o direito de discutir sobre ela, porque nada conhecem dela. Resta, pois, perguntar que fará a força deles? Botarão Deus para fora do céu? Acaso a sua violência esvaziará dos anjos o céu? A resposta é: Não! Eles apenas deixarão devastada a terra.

Vimo-los proscreverem a religião na Rússia, desterrarem o seu clero e matarem o seu povo; vimo-los fecharem as igrejas do México; vimo-los crucificarem padres na Espanha, abrirem os túmulos de Religiosas e espalhar-lhes os restos diante das portas da catedral. Vimos os seus museus anti-religiosos; lemos a sua literatura anti-Deus; mas tudo o que os vimos e ouvimos fazer e dizer contra a religião não nos convenceu de que não há Deus. Eles apenas nos convenceram de que há Demônio!
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Comunismo: Ópio do Povo (Mons. Fulton Sheen)
EDITORA VOZES Ltda., PETRÓPOLIS, R. J.
RIO DE JANEIRO — SÃO PAULO - 1952

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