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terça-feira, 27 de maio de 2014

Amizade para além do além - amizade eterna.

Para uma pessoa que já morreu, de que vale o nascer do sol todos os dias atrás das colinas? Para quem já morreu, o dia e a noite não fazem mais diferença. Nem o sabor, nem o tocar, nem as palavras, nem as cores, as roupas, as festas, as bebidas, as danças...

Andando pelas ruas, eu paro e contemplo o sol. Sinto o vento fresco no meu rosto, roçando meus cabelos e balançando as flores coloridas, tão diversas... Vejo o pó que se levanta do chão e dança no ar, na música do vento... Ouço a voz das crianças brincando, os carros nas ruas... e louvo ao Senhor pela criação. Todas as coisas foram feitas para nós, por nossa causa. Saibamos aproveitá-las. Quem já morreu não ouve mais nada, nem vê, nem sente. Está do outro lado.

Lembra daquela porta que você tanto queria? Era uma porta suntuosa, própria das lindas mansões. Eu me recordo de quando você a comprou, e de como se orgulhou ao abri-la para que eu entrasse! Pois é. Ela está lá, na fachada da sua casa nova. Mas, e você, está aonde?

Todas as coisas que existem na face da Terra, tanto as criadas por Deus como as invenções humanas, todas servem para apenas uma coisa: polir a nossa alma. Se não servirem para isto, não servem para nada.

Aquela torta maravilhosa que você fazia, se não colocou amor nela, de nada valeu. Aquela música que você adorava ouvir, se não serviu para levá-la à transcendência, foi tempo perdido. Aqueles trabalhos que tanto pesavam para você, se não os ofereceu como sacrifícios... foram em vão.

Aquele passeio maravilhoso que fizemos no parque aquático, no qual você descia pelas águas dos tobogãs numa felicidade sem tamanho, se aquele momento não a levou ao louvor e à ação de graças, então foi apenas mais uma diversão. Veja só como o Senhor nos dá oportunidades!

Mas, se há alguma coisa nesta Terra da qual você ainda pode tirar proveito, e muito, é a Santa Missa. Veja só, na Missa continuamos juntas! Eu posso rezar por você, e você pode interceder por mim, assim, lado a lado, como éramos antes de você partir.

Apenas com algumas diferenças. Hoje, a oração do Pai-nosso só tem eficácia para você se eu rezá-la em seu favor. Aquela parte: "perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos..." já não faz sentido para quem já se foi. O que você perdoou, perdoou. O que você não perdoou... ficou sem perdoar. Mas se eu rezá-la com fé em seu favor, você será cumulada de graças! Não é maravilhoso isso?

"O pão nosso de cada dia dai-nos hoje" também não tem sentido para você, se aí você nem come! A Ave-Maria, idem: "Rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte" já era. Se você rezou com fé, valeu. Se não... ai ai ai... devo eu rezá-la por você, daqui. Me ajude a rezar com fé, por você, e também por mim e pelos meus e seus, e pelo mundo, pelos pecadores, pela paz.

Lembra-se quando falávamos horas a fio sobre Nosso Senhor? O nosso coração se agigantava quando partilhávamos experiências espirituais e falávamos sobre sermos melhores, sobre o perdão, sobre a compreensão, a oração, a dedicação à família, à Igreja, e aconselhávamo-nos mutuamente. Éramos severas uma com a outra, uma severidade santa. Lutávamos pela nossa santificação. Foram momentos eternos.

E como ríamos! Qualquer coisinha era motivo para grandes gargalhadas! Ríamos das nossas tristezas, dos nossos erros, ríamos de nós, uma da outra. Eu me lembro quando saímos para comprar a sua peruca. Ai, mulher, você queria logo comprar a primeira que viu! 

Lembro que certa vez, quando eu estava com pressa porque tinha que arrumar os meus cabelos para uma festa, você disse: "- Viu? Esse problema eu não tenho. Meus cabelos estão sempre arrumados." e, passando as mãos na peruca: "- Tenho um monte lá na minha casa, quer ir lá escolher um cabelo bonito pra você?" Só você mesmo! Sempre sorrindo, sempre olhando a vida de maneira positiva.

Eu tirava fotos de você e as guardava comigo, porque eu sabia que você logo nos deixaria, e queria vê-la depois, para lembrar dos nossos momentos tão preciosos. Aí estão algumas.

Sabia que, quando eu canto, ainda posso ouvir a sua voz nos meus ouvidos? Sempre tão afinada... No Natal, vindo da Missa para casa, vi no céu uma estrela piscando para mim. Vi mesmo, uma estrela cintilante! Era você? Eu cantei, imaginando a sua segunda voz me fazendo dupla: "Uma estrela a brilhar no infinito azul do céu, já nasceu Jesus, enfim, o nosso grande Rei!" Este foi o primeiro canto em que você aprendeu a fazer o contralto. Ficou toda faceira! Depois aprendeu "A treze de maio..." e você só queria cantar este. Nos ensaios cantava muito bem,  mas quando chegava a hora de cantá-lo valendo, esquecia a sua voz! Ah, mas que coisa!

Aliás, aproveitando a oportunidade, vou te contar um segredo: Logo quando eu soube que você tinha câncer, eu também entendi que o seu tempo aqui nesta Terra seria breve. Então, tratei de "preparar" você para a outra vida. Não sei se ajudou, mas sabe o que fiz? Pedi que você cantasse o Salmo 41, naquele Sábado de Aleluia. Você aprendia rapidinho, e não é que cantou maravilhosamente? Você nem imaginava, mas era o mesmo Salmo que cantaria seguidamente nas Missas de Sétimo Dia. Depois, cada vez que havia uma Missa de Sétimo Dia, eu pedia novamente para você cantar aquele salmo, que era para fixar na sua cabecinha. Perdi de contas de quantas vezes você o cantou, sempre mais lindo! No entanto, você não observava que a letra lhe dizia respeito, que Deus já lhe preparava um lugar, e já lhe preparava a alma. Ou entendia, mas não dizia nada.

A minh'alma tem sede de Deus
e deseja o Deus vivo!

Assim como a corça suspira
pelas águas correntes,
suspira igualmente minh'alma
por vós, ó meu Deus!

Minha alma tem sede de Deus,
e deseja o Deus vivo.
Quando terei a alegria de ver
a face de Deus?

Peregrino e feliz caminhando
para a casa de Deus,
entre gritos, louvor e alegria
da multidão jubilosa.

Por que te entristeces, minh'alma,
a gemer no meu peito?
Espera em Deus, louvarei novamente
o meu Deus Salvador!

Enviai vossa luz, vossa verdade:
elas serão o meu guia;
que me levem ao vosso Monte santo,
até a vossa morada!

Então eu irei aos altares do Senhor,
Deus da minha alegria.
Vosso louvor cantarei, ao som da harpa,
meu Senhor e meu Deus!

Enfim, chegou a SUA Missa de 7º Dia, e eu fiz questão de cantar este Salmo, logo eu, que nunca canto solo e tenho esta vozinha tão mixuruca. A Igreja estava cheia, todos os seus amigos e parentes estavam lá. Mas eu fiz questão de cantá-lo. Qual o quê! Não consegui! Me pus a chorar - você deve ter visto isso, não? Sim, chorei emocionada, imaginando você entrando na Casa de Nosso Senhor "entre gritos, louvor e alegria da multidão jubilosa". Quem diria, hein? Você conseguiu!!!!! Viu como valeu a pena sofrer um pouquinho? Veja bem, foi só um pouquinho, perto do que você vive hoje aí, na eternidade. Sim, valeu a pena!

Às vezes também ouço você me dizer "- Ah, se não sou eu a te ensinar as coisas! Eu tenho que te ensinar tudo! O que seria de você sem mim?", sempre com um sorriso nos lábios.

Mas, veja só, você morreu. E você pensa que só porque morreu vai ficar aí, sem fazer nada, até a vinda de Nosso Senhor? Posto que não. Precisamos da sua "mãozinha", da sua intercessão. Hoje você vê o que não vemos, sabe o que não sabemos. Há muito trabalho pela frente, você já deve ter percebido isso. Então, mãos à obra! Venha cá nos dar uma forcinha, porque o barco aqui está de cabeça pra baixo...

Querida, como sinto falta da sua presença do meu lado! Te amo!, foi a última frase que dissemos uma à outra, no último abraço que demos: "- Te amo!" Um amor transcendente, um amor divino, porque o meu Deus era em você, e o seu Deus era em mim.  Era não, É.  Quando nos abraçávamos, o Espírito Santo nos abrasava, podíamos sentir. Como eram doces esses momentos! Eternos momentos.

Mas, dentro de pouco tempo, talvez dentro de dez ou vinte anos, ou até amanhã, quem sabe?, vamos nos reencontrar, e então "Cantaremos eternamente a bondade do Senhor".

Por ora, deixe-me desapegar das coisas, de todas as coisas, de todas as pessoas, e principalmente de mim mesma. Preciso aprender a fazer uso mais apropriado de tudo que me rodeia, "usar como se não usasse, comprar como se não comprasse", enfim, fazer tudo para a glória do Senhor e para o aperfeiçoamento da minha alma.

Quando chegar a minha hora, esteja pertinho de mim, quero vê-la, quero abraçá-la, tomar a sua mão para corrermos juntas ao encontro de Nosso Senhor, dos anjos, dos santos. Que maravilha será encontrarmos "pessoalmente" aqueles com quem tanto conversamos em nossas orações!

Enquanto esse dia não chega, interceda por mim, e eu rezo por você, minha irmãzinha querida. Te amo!

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