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domingo, 17 de abril de 2011

A CONSCIÊNCIA E A VIDA CORRETA - Joseph Ratzinger

Seguir a consciência significa realizar todos os nossos gostos? O conceito de autoridade exclui o conceito de liberdade? O então Cardeal Ratzinger fala sobre essas e outras questões nesse conjunto de reflexões tirado do posfácio do livro Joseph Ratzinger: uma biografia.
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A unidade do homem tem um órgão: a consciência. Foi uma ousadia de São Paulo afirmar que todos os homens têm a capacidade de escutar a sua consciência, separando assim a questão da salvação da questão do conhecimento e da observância da Torah e situando-a no terreno da comum exigência da consciência em que o Deus único fala e diz a cada um o que é verdadeiramente essencial na Torah: Quando os gentios, que não têm lei, cumprem naturalmente as prescrições da lei, sem ter lei são lei para si mesmos, demonstrando que têm a realidade dessa lei escrita no seu coração, segundo o testemunho da sua consciência... (Rom 2, 14 e segs.). Paulo não diz: “Se os gentios se mantiverem firmes na sua religião, isso é bom diante do juízo de Deus”. Pelo contrário, ele condena grande parte das práticas religiosas daquele tempo. Remete para outra fonte, para aquela que todos trazem escrita no coração, ao único bem do único Deus.

Seja como for, aqui se enfrentam hoje dois conceitos contrários de consciência, que na maioria das vezes simplesmente se intrometem um no outro. Para Paulo, a consciência é o órgão da transparência do único Deus em todos os homens, que são um homem. Em contrapartida, atualmente a consciência aparece como expressão do caráter absoluto do sujeito, acima do qual não pode haver, no campo moral, nenhuma instância superior. O bem como tal não seria cognoscível. O Deus único não seria cognoscível. No que diz respeito à moral e à religião, a última instância seria o sujeito.

Isto seria lógico, se a verdade como tal fosse inacessível. Assim, o conceito moderno da consciência equivale à canonização do relativismo, da impossibilidade de haver normas morais e religiosas comuns, ao passo que, pelo contrário, para Paulo e para a tradição cristã, a consciência sempre foi a garantia da unidade do ser humano e da cognoscibilidade de Deus, e assim da obrigatoriedade comum de um mesmo e único bem. O fato de que em todos os tempos houve e há santos pagãos baseia-se em que em todos os lugares e em todos os tempos – embora muitas vezes com grande esforço e apenas parcialmente – a voz do coração era perceptível; a Torah de Deus se nos fazia perceptível como obrigação dentro de nós mesmos, no nosso ser criatural, e assim tornava possível que superássemos a mera subjetividade na relação de uns com os outros e na relação com Deus. E isto é a salvação (1).

CONSCIÊNCIA E VERDADE

A vida e a obra do Cardeal Newman poderia ser realmente definida como um extraordinário e extenso comentário ao problema da consciência <...>. Quem não se recorda <...> da famosa frase acerca da consciência na carta que dirigiu ao duque de Norfolk? Diz assim: “Se tivesse de brindar pela religião, o que é altamente improvável, fá-lo-ia pelo Papa. Mas em primeiro lugar pela consciência. Só depois o faria pelo Papa” (2). Newman queria que a sua resposta fosse uma adesão clara ao Papado em face da contestação de Gladstone, mas também queria que fosse, em face das formas errôneas do “ultramontanismo”, uma interpretação do Papado que só pode ser concebido adequadamente quando visto de forma conjunta com o primado da consciência, não como oposto a ela, mas como algo que a funda e lhe dá garantia. É difícil para o homem moderno, que pensa sempre na subjetividade como oposta à autoridade, entender esse problema. Para ele, a consciência está do lado da subjetividade e é expressão da liberdade do sujeito, enquanto a autoridade aparece como sua limitação e, inclusive, como sua ameaça e negação. É preciso aprofundar mais em tudo isso para entender de novo a perspectiva em que tal oposição não é válida.

O conceito central de que Newman se serve para unir autoridade e subjetividade é a verdade. Não tenho reparos em dizer que a verdade é a idéia central da sua luta espiritual. A consciência ocupa para ele um lugar central porque a verdade está no centro. Dito de outra maneira: em Newman, a importância do conceito de consciência está unida à excelência do conceito de verdade e deve ser entendida exclusivamente a partir dele. A presença constante da idéia de consciência não significa a defesa, no século XIX e em contraposição à neo-escolástica “objetivista”, de uma filosofia ou uma teologia da subjetividade. O sujeito merece, a seu ver, uma atenção como não havia despertado talvez desde Santo Agostinho. Mas é uma atenção na linha de Santo Agostinho, não na da filosofia subjetivista da modernidade. Ao ser elevado ao cardinalato, Newman confessou que toda a sua vida tinha sido uma luta contra o liberalismo. Poderíamos acrescentar: e também contra o subjetivismo cristão tal como o encontrou no movimento evangélico do seu tempo, e que constituiu o primeiro degrau de um caminho de conversão que duraria toda a sua vida.

A consciência não significa para Newman a norma do sujeito frente às demandas da autoridade num mundo sem verdade, que vive entre as exigências do sujeito e da ordem social, mas, antes, a presença clara e imperiosa da voz da verdade no sujeito. A consciência é a anulação da mera subjetividade no ponto em que se tangenciam a intimidade do homem e a verdade de Deus. São significativos os versos que escreveu na Sicília em 1833: “Eu amava o meu próprio caminho. Agora Te peço, ilumina-me para Te seguir” (3). A conversão ao catolicismo não foi para ele uma questão de gosto pessoal ou de uma necessidade anímica subjetiva. Já em 1844, no umbral de sua conversão, falava sobre isso com estas palavras: “Ninguém pode ter uma opinião mais desfavorável que eu da situação atual dos católicos” (4). Mas a Newman importava mais obedecer à verdade, inclusive contra o seu próprio sentir, que seguir o seu gosto, os vínculos de amizade e os caminhos trilhados.

Parece-me muito significativo que ele tenha sublinhado a prioridade da verdade sobre o bem na série das virtudes, ou, expresso de forma mais compreensível para nós, a sua primazia em face do consenso e dos pactos de grupo. Eu diria que essas atitudes são comuns quando falamos de um homem de consciência. Homem de consciência é aquele que não compra tolerância, bem-estar, êxito, reputação e aprovação públicas renunciando à verdade. Nisso Newman coincide com outra grande testemunha britânica da consciência, com Thomas More, para quem a consciência nunca foi expressão da sua vontade de obstinação nem de heroísmo caprichoso. Thomas More contava-se a si mesmo entre os mártires temerosos que só depois de muitos atrasos e inumeráveis questionamentos conseguiu levar a alma a obedecer à consciência: a obediência à verdade, que deve estar acima das instâncias sociais e dos gostos pessoais. Aparecem então dois critérios para distinguir a presença de uma verdadeira voz da consciência: que não coincida com os desejos e gostos próprios nem com o que é mais benéfico para a sociedade, o consenso do grupo ou as exigências do poder político ou social.

Chegados a este ponto, parece natural lançar um olhar aos problemas da nossa época. O indivíduo não deve trair a verdade reconhecida para comprar o progresso e o bem-estar. A humanidade não o permite. Com isto, tocamos o ponto verdadeiramente crítico da modernidade: o conceito de verdade foi praticamente abandonado e substituído pelo de progresso. O progresso “é” a verdade. Mas com essa aparente elevação desmente-se e anula a si próprio, pois quando não há direção, o mesmo movimento pode ser tanto progressivo como retrógrado. É assim que a teoria da relatividade formulada por Einstein vê o cosmos físico. Mas penso que também descreve com acerto a situação do cosmos espiritual do nosso tempo. A teoria da relatividade estabelece que não há nenhum sistema de referência fixo; cabe a nós considerar um ponto qualquer como referência e a partir dele tentar medir a totalidade, pois apenas assim poderemos obter resultados; da mesma maneira que escolhemos um, poderíamos ter escolhido qualquer outro.

O que se diz a respeito do cosmos físico reflete também o segundo giro “copernicano” que se deu na nossa relação fundamental com a realidade: a verdade, o absoluto, o ponto de referência do pensamento deixou de ser evidente. Por isso, já não há – tampouco do ponto de vista espiritual – nem norte nem sul. Não há direção num mundo sem pontos de medida fixos. O que consideramos direção não assenta numa medida verdadeira, mas numa decisão nossa e, em última análise, no ponto de vista da utilidade. Num tal contexto “relativista”, a ética teleológica ou conseqüencialista converte-se numa ética niilista, mesmo quando não se percebe. O que numa cosmovisão como essa se chama “consciência” é, considerada em profundidade, um modo de dissimular que não há autêntica consciência, isto é, unidade de conhecimento e verdade. Cada um cria os seus próprios critérios, e, na situação de relatividade geral, ninguém pode ajudar os outros, e menos ainda dar-lhes instruções.

Agora se percebe a enorme radicalidade do debate ético atual, cujo centro é a consciência. Penso que o paralelismo mais aproximado na história das idéias é a controvérsia entre Sócrates e Platão, por um lado, e os sofistas, por outro, na qual se põe à prova a resolução originária de duas atitudes fundamentais: a confiança na capacidade humana de verdade e uma visão do mundo na qual o homem cria os seus próprios critérios.

O motivo pelo qual Sócrates, um pagão, se converteu em certo sentido num profeta de Jesus Cristo é, a meu ver, essa questão primordial: a sua disposição de acolher a verdade foi o que permitiu ao modo de fazer filosofia inspirado na sua figura o privilégio de ser de algum modo um elemento da História Sagrada, e o que fez dele um recipiente idôneo do Logos cristão, cuja finalidade é a libertação pela verdade e para a verdade. Se separarmos a luta de Sócrates das contingências históricas do momento, perceberemos rapidamente com que intensidade intervém – com outros argumentos e nomes – nos assuntos da polêmica do presente. <...>

Em muitos lugares já não se pergunta o quê um homem qualquer pensa. Basta-nos dispor de uma idéia sobre o seu modo de pensar para incluí-lo na categoria formal conveniente: conservador, reacionário, fundamentalista, progressista ou revolucionário. A inclusão num esquema formal torna desnecessária qualquer explicação do seu pensamento. Algo parecido, mas reforçado, se observa na arte. O que expressa é indiferente: pode glorificar Deus ou o diabo. O único critério é que seja formalmente conhecido.

Com isto, chegamos ao verdadeiro núcleo do nosso assunto. Quando os conteúdos não contam e a pura fraseologia assume o comando, o poder converte-se em critério supremo, isto é, transforma-se em categoria – revolucionária ou reacionária – dona de tudo. Esta é a forma perversa de semelhança com Deus de que fala o relato do pecado original. O caminho do mero poder e da pura força é a imitação de um ídolo, não a realização da imagem de Deus. O traço essencial do homem enquanto homem não é perguntar pelo poder, mas pelo dever, e abrir-se à voz da verdade e suas exigências. Esta é, a meu ver, a trama definitiva da luta de Sócrates. Também é o argumento mais profundo do testemunho dos mártires: os mártires manifestam a capacidade de verdade do homem como limite de qualquer poder e como garantia da sua semelhança com Deus. É assim que os mártires se constituem nas grandes testemunhas da consciência, da capacidade outorgada ao homem para perceber o dever acima do poder e começar o progresso verdadeiro e a ascensão efetiva (5).

A CONSCIÊNCIA “INFALÍVEL”

A consciência é apresentada como o baluarte da liberdade em face das constrições da existência causadas pela autoridade. <...> Desse modo, a moral da consciência e a moral da autoridade parecem enfrentar-se como duas morais contrapostas em luta recíproca. A liberdade do cristão ficaria a salvo graças ao postulado original da tradição moral: a consciência é a norma suprema que o homem deve seguir sempre, mesmo quando vai contra a autoridade. Quando a autoridade, nesse caso o Magistério da Igreja, falasse sobre problemas de moral, estaria submetendo um material à consciência, que reservaria sempre para si mesma a última palavra <...>. Essa concepção da consciência como última instância é recolhida por alguns autores na fórmula “a consciência é infalível”. <...>

Por um lado, é inquestionável que devemos sempre seguir o veredito evidente da consciência, ou pelo menos não o infringir com as nossas ações. Mas é muito diferente sustentar a convicção de que o ditame da consciência, ou o que consideramos como tal, sempre estaria certo, sempre seria infalível. Semelhante afirmação significaria o mesmo que dizer que não há verdade alguma, ao menos em matéria de moral e religião, isto é, justamente no âmbito que é o fundamento constitutivo da nossa existência. Como os juízos da consciência se contradizem uns aos outros, só haveria uma “verdade do sujeito” <...>.

A pergunta pela consciência nos transporta, na prática, para o domínio essencial do problema moral e a interrogação acerca da existência do homem. Não gostaria de pôr esses problemas em forma de considerações estritamente conceituais e, por conseguinte, completamente abstratas, mas preferiria avançar de modo narrativo.

Primeiramente, contarei a história da minha relação pessoal com esse problema. Ele pôs-se pela primeira vez com toda a sua urgência no começo da minha atividade acadêmica. Um meu colega mais velho <...>, expressou durante uma disputa a opinião de que devíamos dar graças a Deus por conceder a muitos homens a possibilidade de fazer-se não-crentes seguindo a sua consciência; se lhes abríssemos os olhos e eles se fizessem crentes, não seriam capazes de suportar neste nosso mundo o peso da fé e das suas obrigações morais. Mas, como todos seguiram de boa-fé um caminho diferente, poderiam alcançar a salvação.

O que mais me chocava nessa afirmação não era a idéia de uma consciência equivocada concedida pelo próprio Deus para poder salvar os homens mediante esse estratagema, isto é, a idéia de uma ofuscação enviada por Deus para a salvação de alguns. O que me perturbava era a idéia de que a fé fosse uma carga insuportável que só naturezas fortes poderiam suportar, quase um castigo ou, em todo o caso, uma exigência difícil de cumprir. A fé não facilitaria a salvação, antes a dificultaria. Livre seria aquele que não carregasse com a necessidade de crer e de dobrar-se ao jugo da moral que decorre da fé da Igreja Católica. A consciência errônea, que permitiria uma vida mais leve e mostraria um caminho mais humano, seria a verdadeira graça, o caminho normal da salvação. A falsidade e o afastamento da verdade seriam melhores para o homem do que a verdade. O homem não seria libertado pela verdade, mas deveria ser libertado dela. A morada do homem seria mais a obscuridade do que a luz, e a fé não seria um dom benéfico do bom Deus, mas uma fatalidade.

Porém, se as coisas fossem assim, como poderia surgir a alegria da fé? Como poderia surgir a coragem de transmiti-la aos demais? Não seria melhor deixá-los em paz e mantê-los distantes dela? Foram idéias como essa que paralisaram, com cada vez mais força, a tarefa evangelizadora. Quem encara a fé como uma carga pesada ou como uma exigência moral excessiva não pode convidar outras pessoas a abraçá-la. Prefere deixá-los na suposta liberdade da sua boa consciência.

<...> O que inicialmente me estarreceu no argumento mencionado era, sobretudo, a caricatura de fé que me pareceu haver nele. Mas, numa segunda consideração, pareceu-me igualmente falso o conceito de consciência que pressupunha. A consciência errônea protege o homem das exigências da verdade e o salva: assim soava o argumento. A consciência não aparecia nele como uma janela que abre para o homem o panorama da verdade comum que sustenta a cada um e a todos, tornando possível que sejamos uma comunidade de vontade e de responsabilidade apoiada na comunidade do conhecimento. Nesse argumento, a consciência também não é a abertura do homem ao fundamento que o sustenta nem a força que lhe permite perceber o supremo e essencial. Trata-se antes de uma espécie de invólucro protetor da subjetividade <...> que não dá acesso à estrada salvadora da verdade, que ou não existe ou é exigente demais; e converte-se assim em justificação da subjetividade, que não se quer ver questionada, e do conformismo social, que deve possibilitar a convivência como valor médio entre as diversas subjetividades. Desaparecem assim o dever de buscar a verdade e as dúvidas quanto às atitudes e costumes dominantes: bastariam o conhecimento adquirido individualmente e a adaptação aos outros. O homem é reduzido às convicções mais superficiais, e quanto menor a sua profundidade, melhor para ele. <...>.

Pouco depois, numa disputa entre um grupo de colegas sobre a força justificadora da consciência errônea, alguém objetou contra essa tese que, se fosse universalmente válida, estariam justificados – e deveríamos procurá-los no céu – os membros das SS que cometeram os seus crimes com um conhecimento fanatizado e plena segurança de consciência. <...> Não haveria a menor dúvida de que Hitler e os seus cúmplices, que estavam profundamente convencidos do que faziam, não podiam ter agido de outra forma. Apesar do horror objetivo das suas ações, teriam agido moralmente do ponto de vista subjetivo. Como seguiam a sua consciência, embora esta os tivesse guiado erroneamente, deveríamos reconhecer que as suas ações eram morais para eles; não poderíamos duvidar, em suma, da salvação eterna das suas almas.

A partir dessa conversa, sei com segurança absoluta que há algum erro na teoria sobre a força justificadora da consciência subjetiva; em outras palavras, que um conceito de consciência que conduz a semelhantes resultados é falso. A firme convicção subjetiva e a segurança e falta de escrúpulos que dela derivam não tiram a culpa do homem. Quase trinta anos depois, lendo o psicólogo Albert Görres, descobri resumida em poucas palavras a idéia que então tentava penosamente reduzir a conceitos e cujo desenvolvimento forma o núcleo das nossas reflexões. Görres indica que o sentimento de culpabilidade, a capacidade de sentir culpa, pertence de forma essencial ao patrimônio anímico do homem. O sentimento de culpa, que rompe a falsa tranqüilidade da consciência <...>, é um sinal tão necessário para o homem como a dor corporal, que permite conhecer a alteração das funções vitais normais. Quem não é capaz de sentir culpa está espiritualmente doente, é um “cadáver vivente, uma máscara do caráter”, como diz Görres (6). “Os animais e os monstros, entre outros, não têm sentimento de culpa. Talvez Hitler, Himmler ou Stalin também não o tenham tido. Com certeza, os chefões da máfia também carecem dele. Mas, na verdade, é bem possível que os seus cadáveres estejam ocultos no sótão, junto com os sentimentos de culpa rejeitados... Todos os homens necessitam de um sentimento de culpa” (7).

Além do mais, uma rápida olhada na Sagrada Escritura poderia ter evitado esses diagnósticos e as teorias da justificação pela consciência errônea. No Salmo 19, 13 encontramos uma proposição eternamente digna de reflexão: “Quem será capaz de reconhecer os seus deslizes? / Limpa-me <, Senhor,> dos que me são ocultos”. Isso não é um “objetivismo veterotestamentário”, mas profunda sabedoria humana: negar-se a ver a culpa ou fazer emudecer a consciência em tantos assuntos é uma doença da alma mais perigosa que a culpa reconhecida como culpa. Aquele que é incapaz de perceber que matar é pecado cai mais baixo do que aquele que reconhece a ignomínia da sua ação, pois está muito mais distante da verdade e da conversão. Não é em vão que, diante de Jesus, o orgulhoso aparece como alguém verdadeiramente perdido. O fato de o publicano, com todos os seus pecados indiscutíveis, parecer mais justo diante de Deus que o fariseu, com todas as suas obras verdadeiramente boas (Lc 18, 9-14), não significa que os pecados do publicano não sejam pecados nem que não sejam boas as obras boas. <...> O fundamento desse juízo paradoxal de Deus revela-se precisamente a partir do nosso problema: o fariseu não sabe que também tem pecados. Está inteiramente quite com a sua consciência. Mas o silêncio da consciência torna-o impermeável a Deus e aos homens, ao passo que o grito da consciência que aflora no publicano torna-o capaz da verdade e amor. Jesus pode atuar nos pecadores porque eles não se fazem inacessíveis às mudanças que Deus espera deles – de nós – escondendo-se atrás do biombo da sua consciência errônea. Mas não pode atuar nos “justos”, que não sentem necessidade nem de perdão nem de conversão; a sua consciência, que os exculpa, não acolhe nem o perdão nem a conversão.

Voltamos a encontrar a mesma idéia, ainda que exposta de outro modo, em Paulo, que nos diz que os gentios, quando guiados pela razão natural, sem Lei, cumprem os preceitos da Lei (Rom 2, 1-16). Toda a teoria da salvação pela ignorância fracassa diante desses versículos: no homem, existe a presença inegável da verdade, da verdade do Criador, que se oferece também por escrito na revelação da História Sagrada. O homem pode ver a verdade de Deus no fundo do seu ser criatural. É culpado se não a vê. Só se deixa de vê-la quando não se quer vê-la, ou seja, porque não se quer vê-la. Essa vontade negativa que impede o conhecimento é culpa. Que o farol não brilhe é conseqüência de um afastamento voluntário do olhar daquilo que não queremos ver.

A estas alturas das nossas reflexões, é possível tirar as primeiras conseqüências para responder à pergunta sobre o que é a consciência. Agora já podemos dizer: não é possível identificar a consciência humana com a autoconsciência do eu, com a certeza subjetiva de si e do seu comportamento moral. Essa consciência pode ser às vezes um mero reflexo do meio social e das opiniões nele difundidas. Outras vezes, pode estar relacionada com uma pobreza autocrítica, com não ouvir suficientemente a profundidade da alma. O que se deu no Leste Europeu após a derrocada dos sistemas marxistas confirma este diagnóstico. Os espíritos mais claros e despertos dos povos libertados falam de um imenso abandono moral, produzido por muitos anos de degradação espiritual, e de um embotamento do sentido moral, cuja perda e os perigos que acarreta pesariam ainda mais que os danos econômicos que produziu. O novo patriarca de Moscou pôs energicamente em evidência esse aspecto, no começo da sua atividade, no verão de 1990: as faculdades perceptivas dos homens que vivem num sistema de engano turvam-se inevitavelmente. A sociedade perde a capacidade de misericórdia e os sentimentos humanos desaparecem. <...> “Temos de conduzir de novo a humanidade aos valores morais eternos”, isto é, desenvolver de novo o ouvido quase extinto para escutar o conselho de Deus no coração do homem. O erro, a consciência errônea, só são cômodos num primeiro momento. Depois, o emudecimento da consciência converte-se em desumanização do mundo e em perigo mortal, se não reagimos contra eles.

Em outras palavras: a identificação da consciência com o conhecimento superficial e a redução do homem à subjetividade não libertam, mas escravizam. Fazem-nos completamente dependentes das opiniões dominantes e reduzem dia após dia o nível dessas mesmas opiniões dominantes. Aquele que iguala a consciência à convicção superficial identifica-a com uma segurança aparentemente racional, tecida de fatuidade, conformismo e negligência. A consciência degrada-se à condição de mecanismo exculpatório, em vez de representar a transparência do sujeito para refletir o divino, e, como conseqüência, degrada-se também a dignidade e a grandeza do homem. A redução da consciência à segurança subjetiva significa a supressão da verdade. Quando o salmista, antecipando a visão de Isaías sobre o pecado e a justiça, pede para libertar-se dos pecados que se nos ocultam, chama a atenção para o seguinte fato: deve-se, sem dúvida, seguir a consciência errônea, mas a supressão da verdade que a precede, e que agora se vinga, é a verdadeira culpa, que adormece o homem numa falsa segurança e por fim o deixa só num deserto inóspito (8).

FORMAR A CONSCIÊNCIA

Certamente a fé cristã vai além daquilo que a pura razão é capaz de reconhecer, mas faz parte das suas convicções fundamentais que Cristo é o Logos, quer dizer, a razão criadora de Deus da qual procede o mundo e que se reflete na nossa racionalidade. O apóstolo Paulo, que falou com tanta ênfase da novidade e da unicidade do cristianismo, destacou ao mesmo tempo que o preceito moral registrado na Sagrada Escritura coincide com aquele que “está inscrito nos nossos corações, segundo o testemunho da nossa consciência” (Rom 2, 15). É verdade que, com freqüência, esta voz do nosso coração, a consciência, é sufocada pelos ruídos secundários da nossa vida. A consciência pode, por assim dizer, tornar-se cega. Precisamos assistir às “aulas de recuperação” da fé, que volta a despertá-la, e assim torna novamente perceptível a voz do Criador em nós, suas criaturas (9).

O RESPEITO HUMANO, TRAIÇÃO DA PRÓPRIA CONSCIÊNCIA

O Juiz do mundo, que um dia voltará para nos julgar a todos nós, está ali, aniquilado, insultado e inerme diante do juiz terreno. Pilatos não é um monstro de maldade. Sabe que esse condenado é inocente, e procura um modo de libertá-lo. Mas o seu coração está dividido. E, por fim, faz prevalecer a sua posição, a si mesmo, acima do direito. Também os homens que gritam e pedem a morte de Jesus não são monstros de maldade. Muitos deles, no dia de Pentecostes, sentir-se-ão emocionados até ao fundo do coração (At 2, 37) quando Pedro lhes disser: a Jesus do Nazaré, homem acreditado por Deus junto de vós, <...>, vós o matastes, cravando-o na cruz pela mão de gente perversa (At 2, 22-23). Naquele momento, porém, sofrem a influência da multidão. Gritam porque os outros gritam e tal como os outros gritam. E assim a justiça é espezinhada pela covardia, pela pusilanimidade, pelo medo do diktat da mentalidade predominante. A voz sutil da consciência fica sufocada pelos gritos da multidão. A indecisão, o respeito humano dão força ao mal (10).

FALSAS PROMESSAS

Cristo diz: Guardai-vos dos falsos profetas que vêm a vós sob disfarce de ovelhas, mas por dentro são lobos vorazes. Pelos seus frutos os conhecereis. Parece uma advertência contra as seitas e heresias.

É uma interpretação possível. Mas também é uma advertência contra qualquer regra fácil. Jesus nos previne contra os “curandeiros do espírito”. Diz que a nossa norma deve ser perguntarmo-nos: “Como vive essa pessoa? Quem é na realidade? Que frutos produzem ele e o seu círculo? Analise isso e verá a que conduz”.

Essa norma prática, ditada por Cristo à vista do momento em que viveu, projeta-se sobre a História. Pensemos nos pregadores da salvação do século passado, quer se trate de Hitler ou dos pregadores marxistas; todos vieram e disseram: “Trazemos a justiça para vós”. No princípio, pareciam mansas ovelhas, mas acabaram sendo grandes destruidores. Mas também diz respeito aos numerosos pequenos pregadores que nos dizem: “Eu tenho a chave, age assim e em pouco tempo conseguirás a felicidade, a riqueza, o êxito”.

William Shakespeare, evidentemente um católico, viveu com intensidade a roda da existência. Como bom pedagogo, no fim ofereceu uma recomendação, algo assim como a essência do seu conhecimento mundano: “Compra tempo divino, vende horas do triste tempo terrenal”. São palavras sábias, como as que se esperam de um grande homem. O tempo mais bem aproveitado é o que se transforma em algo duradouro: é o tempo que recebemos de Deus e a Ele devolvemos. O tempo que é pura transição desmorona e se transforma em mera caducidade (11).

A REGRA DE OURO

O Sermão da Montanha não corresponde necessariamente às idéias tradicionais. Opõe-se até às nossas definições de sorte, grandeza, poder, êxito ou justiça. E, no seu final, oferece ao seu público um resumo, quase que uma lei das leis, a “regra de ouro” da vida. Diz assim: “Portanto, tudo o que quiserdes que os homens vos façam, fazei-o também vós a eles; porque esta é a Lei e os Profetas”.

A regra de ouro já existia antes de Cristo, embora formulada de maneira negativa: “Não faças a ninguém o que não queres que te façam”. Jesus a supera com uma formulação positiva que, como é lógico, é muito mais exigente.

Na minha opinião, o que é grandioso é que já não se volta a comparar quem fez o que, quando, como, a quem; que a pessoa já não se perde em diferenciações, mas compreende a missão essencial que nos foi confiada: abrir bem os olhos, abrir o coração e encontrar as possibilidades criativas do bem. Já não se trata de perguntar que é o que eu quero, mas de trasladar para os outros o meu desejo. E esta entrega autêntica, com toda a sua fantasia criativa, com todas as possibilidades que abre diante de nós, está recolhida numa regra muito prática, para que não fique reduzida a um sonho idealista qualquer (12).

VIVER AS VIRTUDES

Creio que todo o mundo gostaria de saber como levar uma vida correta, <...>, como levá-la ao cume sentindo-se à vontade consigo mesmo. Antes de morrer, o grande ator Cary Grant deixou à sua filha Jennifer uma carta de despedida comovente. Quis dar-lhe nela algumas recomendações adicionais para o caminho. “Queridíssima Jennifer”, escreveu, “viva a sua vida plenamente, sem egoísmo. Seja comedida, respeite o esforço dos outros. Esforce-se para conseguir o melhor e o bom gosto. Mantenha puro o juízo e limpa a conduta”. E prosseguia: “Dê graças a Deus pelos rostos das pessoas boas e pelo doce amor que há por trás dos seus olhos... Pelas flores que ondulam ao vento... Um breve sono e despertarei para a eternidade. Se não despertar como nós o entendemos, então continuarei a viver em você, filha queridíssima”.

De certa forma, soa a católico. Seja como for, é uma carta belíssima. Se era católico ou não, não sei, mas certamente é a expressão de uma pessoa que se tornou sábia e compreendeu o significado do bem, e tenta transmiti-lo, além disso, com uma assombrosa amabilidade (13).
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NOTAS:

(1) Fe, verdad y cultura. Reflexiones a propósito de la encíclica Fides et ratio, Primeiro Congresso Internacional da Faculdade San Dámaso de Teologia, Madrid, 16.02.00.
(2) Letter to Norfolk, pág. 261.
(3) Do conhecido poema Lead, kindly light.
(4) Correspondence of J. H. Newman with J. Keble and Others, págs. 351 e 364.
(5) Verdad, valores, poder, págs. 56-64.
(6) A. Görres, “Schuld und Schuldgefühle”, em Internationale katolische Zeitschrift “Communio”, 13 (1948), pág. 434.
(7) Ibid., pág. 142.
(8) “Se quiseres a paz, respeita a consciência de cada um (Consciência e verdade)”, em Wahrheit, Werte, Macht. Prüfsteine der pluralistischen Gesellschaft, Herder, Friburgo, 1993; trad. esp. Verdad, valores, poder. Piedras de toque de la sociedad pluralista, Rialp, Madrid, 2000, págs. 40-55.
(9) Entrevista a Jaime Antúnez Aldunate.
(10) Via-sacra no Coliseu, Primeira estação: meditação, Departamento para as Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice, Roma, 14.04.05.
(11) La fe, de tejas abajo.
(12) La fe, de tejas abajo.
(13) La fe, de tejas abajo. 
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Por Joseph Ratzinger 

Fux pensa que o povo É BURRO!

Na verdade, ele não pensa... quer é DAR O GOLPE!  Estejam certos, daqui para frente será assim. Eles decidirão tudo por conta, e nós ficaremos sabendo beeeem depois! Já não foi assim com o caso da Ficha Limpa? Num dia qualquer, enquanto dormíamos, eles mudaram tudo e pronto. Ficamos sabendo dias depois. A vontade do povo - que é soberana - foi esquecida.  Pois é.
Assim será com o desarmamento. Vê lá se eles desarmam o MST! Claro que não. Vê lá se desarmam as FARC. Claro que não. Querem desarmar a nós. Por quê? Porque querem o nosso bem? Será que há algum ingênuo que ainda acredita nisso? Ora, é óbvio, é lógico que querem nos subjugar.
Aos poucos, a cortina vai se abrindo...  E viva a Dilma!
Raquel Nascimento Pereira
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Ao G1, ministro do STF defende 'solução legislativa, sem plebiscito'. Para ele, 'povo votou errado' em 2005 ao manter comércio de armas.

Débora Santos Do G1, em Brasília
O ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux durante entrevista ao G1 (Foto: Débora Santos/G1)
O ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux
durante entrevista ao G1 (Foto: Débora Santos/G1)

O mais novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, disse em entrevista ao G1 que não deve ser feita nova consulta popular sobre  desarmamento em razão da tragédia de Realengo, no Rio de Janeiro. Defensor do desarmamento, ele avalia que o "povo votou errado" ao manter, no referendo de 2005, o comércio de armas de fogo.

A proposta de novo plebiscito foi apresentada nesta semana pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Segundo ele, o "novo contexto" após a tragédia justifica repetir a consulta. A pergunta que Sarney propõe para o novo plebiscito é a mesma de 2005: "O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?"

Para Fux, que assumiu o posto de ministro do STF em março por indicação da presidente Dilma Rousseff, o desarmamento é "fundamental", mas, para isso, não é necessário plebiscito e sim aplicar a lei e se estabelecer uma política pública de recolhimento de armas.

"Não [se] entra na casa das pessoas para ver se tem dengue? Tem que ter uma maneira de entrar na casa das pessoas para desarmar a população", afirmou nesta quinta (14) ao G1.

Na entrevista, o ministro também disse que considerou "lamentável" a crítica que sofreu de setores da sociedade por ter votado contra a validade da Lei da Ficha Limpa na eleição de 2010. Com o voto dele, o julgamento no STF terminou com seis votos contra e cinco a favor da aplicação da lei no ano passado.
"Eu achei lamentável ter que passar por isso em razão da desinformação. Não vou negar que eu acusei o golpe", declarou.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

G1 - Quase dois meses depois de empossado, como o sr. se sente na posição de ministro do STF? Como lida com pressões sociais e de outros poderes?
Luiz Fux -
Depois de uma semana e meia, já [se] é ministro há muitos anos. O volume é tão grande que você aprende no tranco. Eu tenho me sentido muito à vontade no Supremo.  Salvante os princípios-regra, [no Supremo] é um julgamento de valoração de interesses, de ponderação de valores éticos e que conferem legitimidade social à solução. No caso da união homoafetiva, você tem que sopesar o valor da família, a liberdade sexual, o princípio da não discriminação. Sobre feto anencéfalo, eu li um artigo e até guardei. Essa escritora usou uma expressão forte: será que uma mãe é obrigada a ficar realizando o funeral do seu filho durante nove meses? Eu acho que isso deveria ser uma questão plebiscitária feminina. As mulheres tinham que decidir. É um consectário [resultado] do estado democrático de direito. Não podemos julgar à luz da religião, porque o estado é laico.
O ministro Luiz Fux na cerimônia de posse no Supremo Tribunal Federal, no dia 3 de março (Foto: José Cruz/ABr) 
Fux na cerimônia de posse no Supremo Tribunal Federal, no dia 3 de março (Foto: José Cruz/ABr)
G1 - Como o sr. viu a tragédia de Realengo, que antes era um tipo de crime muito comum em outros países, mas inédito no Brasil?
Fux -
Nos Estados Unidos, tem o monitoramento de pessoas potencialmente perigosas. Hoje, com esse acesso à internet, a esses sites de redes terroristas, pessoas desequilibradas têm acesso a informações que exacerbam seu desequilíbrio. Olha essas fitas que antecederam a essa tragédia, onde esse sujeito gravou isso? É um sujeito que não podia estar solto nunca. Tinha que ter uma medida restritiva de liberdade. Será que ninguém viu isso? Porque não acharam antes isso? Esse homem não tinha um pendor para aquilo? Será que ninguém teve oportunidade de denunciar isso? É um problema que interessa à família e ao Estado também. A causa disso é o acesso que esse rapaz teve a essas redes internacionais que alimentam uma série de psicopatias. Nessa rede mundial de computadores, você tem acesso a tudo. A polícia tinha que ter, por exemplo, uma comunicação de que um sujeito acessou o site da Al Qaeda. Esse sujeito tem alguma coisa. Agora, o leite está derramado.

G1 - Para o sr., o massacre de Realengo é um motivo suficientemente forte para ensejar uma nova consulta à população?
Fux - Eu acho que tinha que vir uma solução legislativa, sem plebiscito mesmo. Todo mundo sabe que o desarmamento é fundamental.

G1 - Mas em 2005 a maioria da população decidiu manter o livre comércio de armas.
Fux -
É um exemplo de defesa do povo contra o povo. Eu acho que o povo votou errado. Para que serve você se armar? Quando você se arma, pressupõe que se vive num ambiente beligerante. Muito melhor é uma sociedade solidária, harmônica. Eu acho que os políticos têm que avaliar o clima de insegurança do país. E já há o Estatuto do Desarmamento. Tem que fazer valer a lei, implementar políticas públicas no afã de desarmar a população. Não tem que consultar mais nada. O Brasil é um país que tem uma violência manifesta. Tem que aplicar essa lei e ter política pública de recolhimento de armas. Não [se] entra na casa das pessoas para ver se tem dengue? Tem que ter uma maneira de entrar na casa das pessoas para desarmar a população.

G1 - O sr. tem porte de arma? Já teve arma em casa?
Fux -
A arma na mão de uma pessoa que tem seus instintos, fraquezas, ela vai reagir. Depois a pessoa cai em si e vê que tirou uma vida e vai sofrer para o resto da vida. São posturas que a gente tem que evitar ao invés de reprimir. Melhor do que reprimir o porte de arma, é evitar o porte de arma. [Como magistrado], eu sempre tive o porte de arma, mas nunca andei armado. Era importante ter o porte de arma, porque a gente ia sozinho para comarca do interior, não tinha cultura de segurança, mas eu não ia armado. Eu entendo que o povo tem que estar absolutamente desarmado. Se esse sujeito não tivesse acesso a arma e carregadores, quando muito ele entraria ali com uma faca, ia tentar matar um e todos iam correr para tentar evitar aquela tragédia.

G1 - Como o sr. avalia as reações e críticas ao seu voto contra a validade da ficha limpa na eleição de 2010? [quando estava com um ministro a menos, o STF analisou a aplicação da Lei da Ficha Limpa na eleição de 2010, e o julgamento terminou empatado em cinco votos a favor e cinco contra. Com a nomeação de Fux como ministro, em março, o julgamento teve continuidade e ele desempatou]
Fux - Eu confesso que a Justiça não é uma função popular. Eu achei lamentável ter que passar por isso em razão da desinformação. Não vou negar que eu acusei o golpe. Eu sempre fui uma pessoa que segui a vida com retidão. Vim para o Supremo Tribunal Federal, passei por uma sabatina de cinco horas, tenho currículo. Não tinha necessidade de passar por uma crítica imoderada e talvez desinformada. Como ser humano, não fiquei à vontade, fiquei aborrecido, principalmente, com alguns segmentos que tinham o dever de saber que tinha uma regra, na Constituição, explícita [a de que uma lei que muda o processo eleitoral não pode entrar em vigor no mesmo ano da eleição.]. Eu confesso a você que eu tentei, eu era ideologicamente favorável à Lei da Ficha Limpa. Mas essa regra da Constituição é tão clara que o precedente que se abriria com ela poderia mais tarde se voltar contra o próprio povo. 

G1 - Quando terminou de elaborar seu voto, o sr. pensou na reação das pessoas ao resultado do julgamento?
Fux -
Eu não fui lá com o compromisso de ter que ser o salvador da Pátria, de cair nos braços do povo. Eu não faço esse gênero. Seria demais que eu tivesse um voto tão qualificado assim para desempatar. Acho que essa expectativa que se criou se deve muito mais ao fato de ter ficado muito tempo sem ministro e, normalmente, essas questões teriam que ter sido desempatadas com o voto de qualidade do presidente, pela emenda regimental. Eu reconheço que assumi num momento muito delicado. Mas você há de convir que eu não poderia levar isso em consideração a ponto de me amesquinhar como magistrado.

G1 - O Supremo condenou no ano passado o primeiro parlamentar, desde a Constituição de 1988. Como o sr. avalia as críticas de que a Corte facilitaria a vida de réus de colarinho branco?
Fux -
Seria de bom alvitre se tivesse um mutirão para julgar essas questões penais para apagar essa imagem junto a população. Agora, o Supremo não julga com benevolência. A lei estabelece tantas etapas que, até que o juiz consiga superar todas elas, obedecendo ao devido processo legal, os prazos se escoam, as testemunhas desaparecem. Então, você vai julgar 10, 15 anos depois. Eu cheguei ao STF e já encontrei ações penais iniciadas em 2003. Aí, eu dei um despacho e determinei que se elaborasse o relatório para acabar com aquilo. Disseram: ‘Não posso, ainda faltam quatro testemunhas’. Não pode, estamos em 2011. E nós não podemos fazer a prova. O juiz não pode ser um órgão acusador.

G1 - Diante da demora nos julgamentos e dos entraves do Judiciário, como o sr. avalia a proposta do presidente do STF, ministro Cezar Peluso, de limitar a possibilidade de recurso depois que o processo é julgado pela segunda instância (tribunais de Justiça dos estados)?
Fux - Eu antevejo problemas de assimilação política dessa ideia. Em termos técnicos, estou analisando essa questão. Ela tem uma virtude que é permitir que a decisão transite em julgado antes do que vem ocorrendo hoje. Se a decisão transita em julgado, resolve alguns problemas pontuais. Como, por exemplo: só se considera culpada uma pessoa depois do trânsito em julgado [quando se esgotam as possibilidades de recurso]. Acaba com essa cultura de se buscar sempre a liberdade no STF a pretexto de dizer que a sentença ainda não transitou em julgado. Isso gera distorções na vida cotidiana porque está havendo um uso imoderado do habeas corpus [instrumento que garante a liberdade de alguém que corre o risco de ser preso ilegalmente ou por abuso de poder] por conta disso. [...] É um excesso que impede que você  [o ministro do Supremo] possa se dedicar mais a outras matérias. Hoje tem habeas corpus para tudo, até o que não é matéria de habeas corpus. [...] De qualquer maneira, precisa de um instrumento de gestão porque essa realidade tem que ser enfrentada. [...] Hoje o trabalho no Supremo é irracional. É muito trabalho.
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terça-feira, 29 de março de 2011

Papa Adriano VI - o Papa do tempo de Lutero - pede perdão

Papa Adriano VI, eleito em 1522, foi o Papa do tempo de Lutero. A reforma da Cúria Romana era-lhe uma condição prévia, que permitia salvar a Alemanha para a Igreja. O Papa não tinha nenhuma dúvida sobre quanto a causa de Lutero se beneficiava com os abusos que, em toda a parte, provinham, desde as mais altas instâncias eclesiásticas. Falou do assunto em sua primeira alocução consistorial. Por isso, no dia imediato à coroação, declarou nulas todas as expectativas a cargos que vagassem. Aboliu os cargos criados pelo seu predecessor. Cerceou, rigorosamente, a Corte Pontifícia e o aparelho administrativo. Mandou retirar-se do Vaticano o bando de literatos, artistas, músicos e chocarreiros. As milhares de petições eram examinadas com rigor quase pedantesco, para que nenhum indigno lograsse benefício eclesiástico, medidas essas que provocaram muitos rancores e hostilidades.

Em compensação, Adriano fazia tudo por conquistar o coração dos Alemães e por induzi-los à generosidade. Para a Dieta de Nuremberg (1522-1523) enviou Francisco Chieregati, que devia conseguir dos Príncipes Germânicos que ajudassem a Hungria contra os Turcos, e executassem o Edito de Worms. Em troca, o Papa adiantou uma contribuição que até então se desconhecera: confissão de culpa e promessa de reformar a Cúria Romana.

Na instrução do Legado, redigida pelo próprio Adriano, a qual representava o primeiro passo para a Contra-Reforma (Brandi), o Sumo Pontífice tomou sobre si a culpa da Igreja, que lhe estava confiada. Apresentou-se diante de Deus e dos homens a confessar, a prometer expiação e reparação e mandou falar ao povo alemão, nestes termos:

"Dirás que confessamos francamente que Deus permite esta perseguição de sua Igreja, por causa dos homens, especialmente por causa dos pecados dos sacerdotes e dos prelados. Certo é, pois, que a mão do Senhor não encurtou, de modo que ele não nos pudesse salvar, mas o pecado aparta-nos dele, fazendo com que não nos atenda. A Sagrada Escritura proclama, alto e bom som, que os pecados do povo têm sua fonte nos pecados do clero... Não ignoramos que também nesta Sé Apostólica, desde muitos anos, já ocorreram muitas coisas abomináveis: abusos em coisas espirituais, transgressões dos Mandamentos; sim, que tudo se transformou para pior. Que muito, pois, que a doença se transplantasse da cabeça aos membros, dos papas aos prelados? Todos nós, prelados e clérigos, nos arredamos do caminho da justiça, e desde muito não existia quem fizesse o bem, nem um sequer.

"Por este motivo, todos devemos dar honra a Deus e humilhar-nos diante d'Ele. Medite cada um de nós o motivo por que caímos, para antes nos julgarmos a nós mesmos e não sermos julgados por Deus, no dia da Sua cólera. Por isso, prometerás, em Nosso nome, que aplicaremos todo esforço a fim de que, em primeiro lugar, se faça a correção da Corte Romana, da qual todos esses males tiveram sua origem. Então, como daqui saiu a doença, também começará a recuperação da saúde.

"Tanto mais nos sentimos na obrigação de efetuar tal intento, quanto mais o mundo inteiro deseja semelhante reforma. Não aspiramos à dignidade papal, e preferimos findar nossos dias na solidão da vida privada. De bom grado teríamos recusado a tiara. Só o temor de Deus, a legitimidade da eleição e o perigo de um cisma moveram-nos a aceitar o sumo pontificado. Não queremos exercê-lo por paixão de mando, nem para locupletação de nossos parentes, mas para restituir à Santa Igreja, esposa de Deus, sua antiga formosura, para dar assistência aos oprimidos, para promover varões doutos e virtuosos, enfim, para fazer tudo quanto compete fazer a um bom pastor e verdadeiro sucessor de São Pedro. Contudo, ninguém se admire de não erradicarmos de uma vez todos os abusos, pois a doença é inveterada e multiforme. É preciso, pois, avançar passo a passo, e com os meios adequados remediar, em primeiro lugar, os males mais graves e mais perigosos, a fim de que uma reforma precipitada de todas as coisas não provoque maior confusão."

Foi nulo o efeito desta grandiosíssima confissão de culpa da Cúria Romana mundanizada. Ela ultrapassa, em sua clássica peremptoriedade, até o pedido de perdão que Paulo VI proferiu no Concílio Vaticano II.

Não quiseram executar o Edito de Worms. E Lutero, que naquela época escreveu sátiras sobre o Papa-Asno, zombava deste Papa, como se fosse tolo e ignorante, tirano hipócrita e anticristo. Frustrado em suas melhores intenções, o nobre Papa baixou à sepultura em setembro de 1523.
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G. Tüchle e C.A. Buuman. Nova História da Igreja, vol III. Reforma e Contra-Reforma, Editora Vozes. Cap. IV, pp 131-132.
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terça-feira, 15 de março de 2011

Mulher, este é o teu filho!

Por Raquel Nascimento Pereira

     "Depois que crucificaram Jesus, os soldados repartiram a sua roupa em quatro partes, uma para cada soldado. Quanto à túnica, esta era tecida sem costura, em peça única de alto a baixo. Disseram então entre si: Não vamos dividir a túnica. Tiremos a sorte para ver de quem será. Assim se cumpria a Escritura que diz: “Repartiram entre si as minhas vestes e lançaram sorte sobre a minha túnica”. Assim procederam os soldados.
     Perto da cruz de Jesus, estavam de pé a sua mãe, a irmã da sua mãe, Maria de Cléofas, e Maria Madalena. Jesus, ao ver sua mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava, disse à mãe: Mulher, este é o teu filho. Depois disse ao discípulo: Esta é a tua mãe." (João 19, 23-27)

Os exegetas entendem que, nesta hora, Jesus designa Maria como Mãe da Igreja. Quando ele diz a João: “Eis aí a tua mãe”, ele se refere a Maria como Mãe de toda a humanidade. E quando ele diz à sua mãe: “Eis aí o teu filho”, ele quer dizer que, em João, somos todos discípulos amados - já que somos irmãos em Jesus - todos filhos de Maria, Mãe da Igreja.

Uma outra reflexão se pode fazer neste caso. Maria estaria viúva. Não se encontra nenhuma referência sobre José acompanhar Jesus na sua vida pública, muito menos na sua Paixão. Entende-se, portanto, que Maria estivesse viúva e que Jesus, seu único filho, era o arrimo da família. Sendo assim, Jesus se preocupa com sua Mãe, não quer deixá-la sozinha. Sabe-se que naquela época as mulheres viúvas sofriam todo tipo de descaso. Muitas eram tidas como prostitutas, e outras tantas eram abandonadas por sua família. Passavam fome, frio, e muitas perdiam até suas casas. Vemos o quanto Jesus insistiu, nas suas pregações, que déssemos uma atenção especial “aos órfãos e às viúvas”.

Assim, faz a João – o discípulo que ele amava -  o seu último pedido, e o designa para cuidar de Maria. Quando diz a João: “Eis aí a tua mãe”, é como se dissesse: “Cuide dela como se fosse tua mãe, não a abandone”. Qualquer um de nós faria o mesmo numa circunstância dessas. E quando diz a Maria: “Eis aí o teu filho”, é como se dissesse: “Mãe, você não está sozinha. Olhe para João como você olha para mim. Ele cuidará de você. Cuide dele também, como você cuidou de mim”.

Voltando ao raciocínio dos exegetas, João, Maria (Mãe de Jesus), a irmã de Maria e Maria Madalena foram os únicos que ficaram aos pés da cruz de Jesus até o último instante. Então, se João representa a Igreja, isto é, todos nós, e se a Maria é dada a incumbência maternal desta Igreja, podemos imaginar: João foi o único discípulo que ficou até o fim. Todos os demais tiveram medo e abandonaram Jesus no momento mais crucial do seu sofrimento. Até Pedro - a quem foi dada as chaves da Igreja - negou Jesus três vezes e não o vemos na cena da crucifixão.

No entanto, João estava ali, dando-nos  o exemplo de que é possível. Ficou ao lado de Maria até o fim, mostrando a nós todos – Igreja – que, aconteça o que acontecer, devemos ir até o fim. Maria estará conosco em todos os momentos, cuidando de todos nós com aquele amor de mãe, aquele mesmo amor com que amou Jesus, seu Filho, com que amou João.

Jesus ressuscita Lázaro
E aqueles três irmãos: Marta, Maria e Lázaro (aquele que Jesus ressuscitara), onde eles estavam? Não eram tão amigos do “Mestre”? Jesus não fazia refeições na casa deles? Penso até que ele deveria dormir lá de vez em quando...

Quando Lázaro morreu, Jesus estava longe. Marta correu para encontrá-lo, dizendo-lhe, numa demonstração de fé: “Meu irmão está morto! Se você estivesse conosco, ele não teria morrido!” Jesus foi ao encontro de Lázaro e... ao encontrá-lo morto, chorou. Era seu amigo, gostava dele, e sofreu com a sua morte, porque o homem foi criado para a vida! Jesus o trouxe de volta à vida... ressuscitando-o. (João 11)

Mas Lázaro não estava ali, aos pés da cruz. Nem Marta, nem sua irmã Maria. Seguiram Jesus até certo ponto. Mas depois, voltaram. É bem assim que procedemos quando temos interesse nos favores de Jesus, quando queremos que ele nos ajude. Depois do milagre recebido, quando fica mais difícil segui-lo, damos meia volta e o deixamos para trás.

Quanto à túnica que Jesus vestia, aquela “túnica tecida sem costura, em peça única de alto a baixo”, aquela túnica que os soldados lançaram a sorte sobre ela, para saber quem a levaria para casa... posso imaginar Maria a tecendo. Teria medido a altura de seu Filho, do ombro aos pés, do ombro ao punho, o decote do pescoço...  e, com todo aquele amor de Mãe – um amor pleno, perfeito, como nenhuma mãe teria amado – escolheu o melhor fio, a cor mais bonita e a teceu para Jesus. Como deveria ser linda aquela túnica!

O soldado que a ganhou, tendo-a levado para casa, o que teria sentido? Tudo havia acabado, todos já estavam recolhidos, porque era a preparação para a Páscoa. Ele teria chegado à sua casa com a túnica nas mãos, cansado, talvez eufórico ainda, e teria sentado numa cadeira, respirado fundo e olhado para aquela túnica, num momento único de reflexão profunda, repassando na sua mente toda aquela cena da morte de Jesus. O que ele teria pensado? Imagino que Jesus deva ter se manifestado também a ele, naquele momento de graça.
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domingo, 13 de março de 2011

Como ir à Missa e não perder a fé

Bux: “No campo litúrgico, estamos frente a uma desregulação insuportável”

ROMA, terça-feira, 8 de março de 2011 (ZENIT.org) - Um enfraquecimento da fé e a diminuição do número de fiéis poderiam ser atribuídos aos abusos litúrgicos e às Missas ruins, quer dizer, às que traem seu sentido original e onde, no centro, já não está Deus, mas o homem, com a bagagem de suas perguntas existenciais.
 
Essa é uma ideia sustentada por Nicola Bux, teólogo e consultor da Congregação para a Doutrina da Fé e do Ofício de Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice.

Apresentado em Roma no dia 2 de março, em seu livro "Come andare a Messa e non perdere la fede" [Como ir à Missa e não perder a fé, N. do T.], Bux lança-se contra a virada antropológica da liturgia.

Bux replica a quantos criticaram Bento XVI, acusando-o de ter traído o espírito conciliar. Ao contrário – argumenta o teólogo – os documentos oficiais do Concílio Vaticano II foram traídos precisamente por essas pessoas, bispos e sacerdotes à frente, que alteraram a liturgia com “deformações ao limite do suportável”.

Participar de uma celebração eucarística pode significar, de fato, também se encontrar perante as formas litúrgicas mais estranhas, com sacerdotes que discutem economia, política e sociologia, tecendo homilias em que Deus desaparece. Proliferam os ensaios de antropologia litúrgica até reduzir a esta dimensão os próprios sinais sacramentais, “agora chamados – denuncia Bux – preferivelmente de símbolos”. A questão não é pequena: enfrentá-la implica ser tachado de anticonciliar.

Todos se sentem com o direito de ensinar e praticar uma liturgia “ao seu modo”, tanto que hoje é possível assistir, por exemplo, “à afirmação de políticos católicos que, considerando-se ‘adultos’, propõem ideias de Igreja e de moral em contraste com a doutrina”.

Entre aqueles que iniciaram esta mudança, Bux recorda Karl Rahner, quem, à raiz do Concílio, denunciava a reflexão teológica então imperante que, em sua opinião, mostrava-se pouco atenta ou esquecida da realidade do homem.

O jesuíta alemão sustentava em contrapartida que todo discurso sobre Deus brotaria da pergunta que o homem lança sobre si mesmo. Em consequência – esta é a síntese – a tarefa da teologia deveria ser falar do homem e de sua salvação, lançando as perguntas sobre si e sobre o mundo. Um pensamento teológico que, com triste evidência, foi capaz de gerar erros, o mais clamoroso dos quais é o modo de entender o sacramento, hoje já não sentido como procedente do Alto, de Deus, mas como participação em algo que o cristão já possui.

“A conclusão que Häuβling tira disso – recuerda Bux – é que o homem, nos sacramentos, acabaria por participar de uma ação que não corresponde realmente a sua exigência de ser salvo”, já que abre mão da intervenção divina. A semelhante tese “sacramental” e à derivação anexa da liturgia, responde Joseph Ratzinger, que já no dorso do volume XI, “Teologia da Liturgia”, de sua Opera omnia, escreve: “Na relação com a liturgia se decide o destino da fé e da Igreja”.

A liturgia é sagrada, de fato, se tiver suas regras. Apesar disso, se por um lado o ethos, ou seja, a vida moral, é um elemento claro para todos, por outro lado, ignora-se quase totalmente que existe também um “jus divinum”, um direito de Deus a ser adorado. “O Senhor é zeloso de suas competências – sustenta Bux –, e o culto é o que lhe é mais próprio. Em contrapartida, precisamente no campo litúrgico, estamos frente a uma desregulação”.

Sublinhando, em contrapartida, que sem “jus” o culto torna-se necessariamente idolátrico, em seu livro o teólogo cita uma passagem da “Introdução ao espírito da liturgia”, de Ratzinger, que escreve: “Na aparência, tudo está em ordem e presumivelmente também o ritual procede segundo as prescrições. E no entanto é uma queda na idolatria (...), faz-se Deus descer ao nível próprio, reduzindo-o a categorias de visibilidade e compreensibilidade”.

E acrescenta: “trata-se de um culto feito à própria medida (...), converte-se em uma festa que a comunidade faz para si mesma; celebrando-a, a comunidade não faz mais que confirmar a si mesma”. O resultado é irremediável: “Da adoração a Deus se passa a um círculo que gira em torno de si mesmo: comer, beber, divertir-se”. Em sua autobiografia (Mi vida), Ratzinger declara: “Estou convencido de que a crise eclesial em que hoje nos encontramos depende em grande parte do colapso da liturgia”.
Para encerrar, uma sugestão e uma advertência. A primeira é relançar a liturgia romana “olhando para o futuro da Igreja – escreve Bux –, em cujo centro está a cruz de Cristo, como está no centro do altar: Ele, Sumo Sacerdote a quem a Igreja dirige seu olhar hoje, como ontem e sempre”. A segunda é inequívoca: “se acreditamos que o Papa herdou as chaves de Pedro – conclui –, quem não o obedece, antes de tudo em matéria litúrgica e sacramental, não entra no Paraíso”.

terça-feira, 1 de março de 2011

Negar a adoção a homossexuais não é discriminatório

Bispos colombianos afirmam que adotar não é um direito


BOGOTÁ, terça-feira, 1º de março de 2011 (ZENIT.org) - Os bispos da Colômbia expressaram-se contra a adoção de crianças por pares homossexuais, advertindo que adotar “não é um direito” e que portanto “não há discriminação”.

Em nota datada de 25 de fevereiro, os bispos afirmam que não consideram discriminatório “o fato de que o atual ordenamento jurídico nacional não contemple a possibilidade de que pares do mesmo sexo possam adotar crianças”.

Não é discriminatório porque “os requisitos para a adoção valem tanto para casais heterossexuais ou pares do mesmo sexo, tendo em conta o bem daquele que é adotado e suas necessidades, que antecedem às dos que adotam”.

A adoção – acrescenta a nota – “consiste em criar entre duas pessoas uma relação de filiação, quer dizer, uma relação jurídica e socialmente semelhante à que existe entre um homem e uma mulher e seus filhos biológicos”.

“Tal semelhança coloca em evidência não só o alcance jurídico e social da adoção, mas também seus próprios limites: o que a natureza permite, mas também o que a natureza impede, constitui o marco jurídico da adoção. Não é a Igreja nem o Estado nem a sociedade quem nega aos homossexuais a possibilidade de adotar, mas a própria natureza das coisas”.

O interesse do menor “é a motivação e o fundamento da adoção como figura jurídica”. A adoção “só pode ser definida no âmbito das necessidades e do respeito por quem é adotado”.

Em resumo – afirmam os bispos –, “a adoção não é um direito dos que querem adotar, sejam eles homossexuais ou heterossexuais, e por isso não se pode falar de violação de um direito fundamental”.
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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Ignorância, mentiras e idiotices em relação aos distúrbios do Oriente Médio

HEITOR DE PAOLA

18/02/2011

Afirmando o papel civilizador e histórico da Comunidade de Crentes Islâmica, instituída por Allah como a melhor comunidade, que legou à humanidade uma civilização equânime e universal (...) e por quanto hoje se espera que esta Comunidade de Crentes sirva de guia correta para a humanidade, confundida por crenças e correntes contraditórias (...). Contribuindo aos esforços da humanidade no terreno dos direitos do homem, cujo objetivo é proteger o ser humano (...) assim como afirmar sua liberdade e seu direito a uma vida digna em consonância com a Sharí’a Islâmica


Conferência Islâmica do Cairo, 1990

Até o momento a grande mídia só espalhou mentiras, idiotices e demonstrou uma enorme ignorância do que se passou na Tunísia e no Egito e já se anuncia em outros países da região. No mundo todo ocorre o mesmo, com exceção da mídia conservadora americana. No Brasil as exceções se contam num dedo da mão esquerda de Lula. Os brilhantes artigos de Olavo de Carvalho e alguns outros abnegados autodidatas que teimam em publicar no Mídia Sem Máscara ou em sites/blogs pessoais, jornalistas de primeira linha como Nahum Sirotsky e poucos mais. E estes são atacados como reacionários, pró-ditadura, etc.

A versão dominante é no mínimo imbecilóide: turbas de jovens bem intencionados, inspirados nas tradições ocidentais dos direitos do homem, saem às ruas para clamar por liberdade e democracia, destituindo tiranos.

De maneira geral esta frase é repetida ad nauseam nos jornais, TV, rádio e nas famigeradas “redes sociais” na Internet. Subitamente, Mubarak que sempre foi tratado como Presidente do Egito passou a ser Ditador! Como um raio da velocidade da luz o termo mudou da noite para o dia em toda a mídia! (Claro está que Raul Castro continua sendo Presidente de Cuba, país cujo último ditador, antes da democracia popular revolucionária, foi Fulgencio Batista). Os jovens são colocados nas alturas espalhando de forma subliminar que eles são dotados de clarividência e onisciência divinas. Negam e muitos sequer sabem que foram os jovens que primeiramente atenderam às exortações de Ruhollah Khomeini e levaram a cabo a Revolução Islâmica do Irã. Que o maior genocida da história conclamou os jovens a levar a cabo uma das maiores matanças de todos os tempos: a Revolução Cultural chinesa. Que era a Hitlerjugend, grupos de jovens que fora das salas de aula se organizavam em grupos e milícias para-militares para espionar o povo, inclusive seus próprios pais, desde 1931, quando já formavam a temerosa patrulha ideológica nazista comandada pelo não tão jovem Baldur von Schirach. Mais tarde, já fanatizados, foram nomeados líderes do Partido Nazista e membros das SS.

Von Schirach é o representante padrão que demonstra que jamais os jovens agem espontaneamente, mas sempre são exortados pelos mais velhos. O tal ‘conflito de gerações’ em níveis sociais é uma falsidade inventada pelos mais velhos para negar que os jovens são sempre usados como buchas de canhão pelas facções provectas em seus conflitos intra-geracionais. As turbas que enfrentavam a Hitlerjugend nas ruas, ligadas à Spartakusbund, também eram comandadas secretamente por ‘coroas’ como Ernt Thäelmann, dirigente do Partido Comunista. O autor deste texto experimentou isto na própia carne na sua juventude e é testemunha destes fatos.

Que direitos eles defendem agora no Oriente Médio? De que democracia se trata? De que liberdade?

DIREITOS DO INDIVÍDUO, DIREITOS HUMANOS DA ONU E DIREITOS HUMANOS NO ISLAM

A idéia de os seres humanos possuírem direitos inalienáveis nasceu aos poucos no direito anglo-saxônico medieval. Desde a aceitação por João Sem Terra da Magna Carta até a Glorious Revolution de 1688 esta noção veio se solidificando na tradição inglesa. Mas foi na Constituição Americana, principalmente nas 10 primeiras Emendas (o Bill of Rights) que os direitos fundamentais foram caracterizados como de origem divina e, portanto, inalienáveis pela ação dos homens. A Declaração de Independência assegurava: Entendemos serem verdades evidentes por si mesmas que todos os homens nascem iguais e são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, e entre eles estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Que para assegurar estes direitos são instituídos governos entre os homens, e eles derivam seu poder do consentimento dos governados.

Deve-se salientar este aspecto, único naquele país: não são os governos que saem por aí distribuindo direitos, mas homens que possuem direitos inalienáveis que, para defendê-los, formam governos com esta exclusiva finalidade.

Na elaboração da Carta de Direitos da ONU, supervisionada pelo agente soviético no Departamento de Estado americano, Alger Hiss, Stalin espertamente fez retirar qualquer referência ao Criador. Os direitos humanos de que tanto se fala hoje são fruto de um falso consenso entre Nações – sendo que a grande maioria, inclusive a autora, jamais os respeitou – e não mais inerentes à alma humana: deixaram de ser inalienáveis, pois se foram ‘concedidos’ por uma assembléia humana, podem ser retirados por outra [[i]].

O que nos interessa aqui são os direitos humanos no Islam, já que são estes, e não os ocidentais, que a maioria daquela magnânima juventude  absorveu em seus estudos e os quais são defendidos pela Fraternidade Islâmica.

Já pelo preâmbulo da Declaração do Cairo pode-se notar a arrogância islâmica que engloba toda a humanidade como servos de Allah. O Art. 1 define que a humanidade inteira forma uma só família unida por sua adoração a Allah e sua descendência comum de Adão. No Art. 2, defendendo que a vida é um dom de Allah, não é possível suprimi-la a não ser por exigência da Sharí’a, assim como a integridade do corpo humano.

O documento segue concedendo direitos, porém sempre dentro dos limites da Sharí’a, e no Art. 10 diz textualmente: O Islam é a religião indiscutível. Não é lícito exercer nenhum tipo de coerção sobre o ser humano, nem aproveitar-se de sua pobreza ou ignorância, para levá-lo a mudar sua religião por outra, ou pelo ateísmo.

Depois de declarar no Art. 16 os direitos intelectuais e de pesquisa, assinala: Serão protegidos os interesses intelectuais e materiais gerados pelo seu trabalho, sempre que estes não contradigam a Sharí’a.

Os dois últimos artigos vão sem comentários:

Art. 24: Todos os direitos e os deveres estipulados nesta declaração estão sujeitos aos preceitos da Sharí’a Islâmica.

Art. 25: A Sharí’a Islâmica é e única fonte de referência para o esclarecimento ou interpretação de qualquer artigo do presente documento.

Já abordei o tema da Sharí’a em outro artigo, basta recordar que esta Lei comanda todos os aspectos da vida dos muçulmanos: a rotina diária, as obrigações religiosas e familiares (incluindo conjugais), acordos financeiros e diplomáticos etc. É, portanto discutível que a aceitação destes ‘direitos’ humanos possa levar a um estado de liberdade individual derivado do Bill of Rights. Na verdade é incompatível com a liberdade. Antes de examinar as relações entre Islam, liberdade e democracia, vejamos o que pensam os egípcios sobre diversos assuntos que podem nos ajudar a esclarecer o que está sendo reivindicado por lá.

O QUE PENSAM OS MUÇULMANOS SOBRE O OCIDENTE E A SHARÍ'A?

Em abril de 2007 a World Public Opinion.org publicou uma enquete sobre Opinião Pública Muçulmana sobre Política Americana, Ataques a Civís e Al Qaeda no Marrocos, Egito, Paquistão e Indonésia.

Sobre o Quesito Política Americana, 93% dos egípcios as rejeitaram, 89% consideravam que os EUA controlavam todos os acontecimentos mundiais, 92% consideram que os EUA querem dividir o Islam, inclusive 31% consideravam esta a única razão da guerra ao terror contra 55% que afirmaram que o objetivo era controlar os recursos naturais do Oriente Médio (OM). 92% eram favoráveis à retirada total das tropas americanas da região (10% com certas dúvidas), enquanto 91% aprovavam ataques a estas tropas no Iraque e Afeganistão e 83% eram contra as tropas no Golfo Pérsico. Embora 88% são contra ataques a civis como os do Al Qaeda por serem contrários aos princípios do Islam, 60% apoiavam os ataques suicidas. 38% concordavam com a visão de mundo da Al Qaeda, embora 49% se opunham aos ataques a civis. 74% vêem Bin Laden com bons olhos (34% com sentimentos mistos).

No quesito sobre a aplicação estrita da Sharí’a em todos os países muçulmanos 74% dos egípcios concordaram (24% com restrições), 91% querem manter os valores ocidentais longe dos países muçulmanos embora 82% acreditem que a democracia é uma ‘boa idéia’. 45% acreditam que o choque com o Ocidente é inevitável.

BREVE ANÁLISE DESTES RESULTADOS

A enquete é muito maior, me restringi à opinião dos egípcios por ser destes ‘jovens democratas’ que estamos tratando aqui. É claro que nesta como em todas as enquetes existem resultados paradoxais que indicam da parte de alguns uma certa ambivalência. Mas duas conclusões podem ser retiradas facilmente:

1. A grande maioria do povo do Egito odeia os Americanos, aprova a Al Qaeda e quer ver os americanos longe do OM

2. Há uma enorme rejeição dos valores ocidentais, apoio muito grande à aplicação estrita da Sharí’a, mas acham a democracia ‘uma boa idéia’

Esta incongruência revela que o conceito que eles têm de democracia nada tem a ver com a democracia que conhecemos, pois esta é um valor Ocidental por excelência. Já vimos este filme antes: os países comunistas primavam em se autodenominar democracias, até hoje o filme está em cartaz no zoológico humano Cuba, com a concordância da maioria dos ‘intelectuais’ ocidentais. Estranhamente a maior democracia do mundo foi fundada por homens que a achavam uma má idéia, como já comprovamos Portinari Greggio e eu [[ii]]. Em nenhum dos documentos históricos dos EUA sequer existe esta palavra, somente nos Federalist Papers como um mal a ser evitado.

Que droga de democracia submissa à Sharí’a é esta que estão reivindicando no OM? Será uma ‘boa coisa’ para o Ocidente apoiar este movimento, à custa de trair aliados tradicionais abandonando-os à sanha islâmica?

DEMOCRACIA E ISLAM: COEXISTÊNCIA POSSÍVEL?

Para nós, ocidentais, a palavra democracia imediatamente evoca outra: liberdade. Mas, como argumenta Raymond Ibrahim (Is an Egyptian "Democracy" a Good Thing?) no Middle East Forum, não há nada inerentemente liberal, humanitário ou secular no conceito de democracia. Considerando Atenas, a primeira democracia da história, aceitava o princípio da escravatura e o status das mulheres daria orgulho aos Talibans, enquanto na ‘autoritária’ Esparta elas tinham um grau muito maior de igualitarismo. Platão evitava a democracia, preferindo os ‘reis filósofos’ para o ‘bem do povo’. A democracia americana também, durante uns 60 anos admitiu a escravidão e alguns dos Founding Fathers tinham escravos, como Washington. Os exemplos do ocidente não são nada animadores. Nas democracias ocidentais o povo pode votar baseado em suas necessidades imediatas, emoções, desinformação ou por pura propaganda enganosa – nós, brasileiros sabemos muito bem disto, principalmente quando o voto em qualquer candidato mesmo de ‘oposição’ pode ser baseado nesta propaganda, como nas últimas eleições. Mas as democracias ocidentais incluem salvaguardas como os cheks and balances, e se for baseada no Corão, como no Irã cuja Constituição é baseada na Sharí’a?

Muitos scholars muçulmanos argumentam que o conceito de democracia é puramente ocidental e que estes tentam impor ao Islam. Outros acham que o Islam precisa de um sistema democrático e que este conceito tem uma base sólida no Corão, desde que a Sura 42:38 recomenda a ‘consulta mútua’ entre o povo. Vejamos o que diz esta Sura [[i]]:

(São aqueles) que  atendem  ao seu Senhor, observam  a  oração, resolvem os seus assuntos em consulta e fazem caridade daquilo com que os agraciamos.

Comenta o Tradudor: Consulta, esta é a palavra chave da Sura e sugere o ideal de como um homem de bem deve conduzir seus assuntos. Este princípio era aplicado em todos os sentidos pelo Profeta, em sua vida particular e pública.

Algum leitor consegue ver nisto um traço sequer de base para um regime democrático? Vislumbra-se o germe do processo democrático? Ou, pelo contrário, impõe uma total falta de liberdade em decidir a própria vida sem consultar os demais membros da comunidade? A meu ver, é o ideal do coletivismo e foi muito bem expressado jocosamente por Olavo de Carvalho alhures ao definir o intelectual coletivo: se o sujeito é mordido por um cachorro ele precisa imediatamente ligar para seus pares e perguntar se ele está certo ou está sofrendo uma alucinação!

Numa discussão bem fundamentada, Islam and Democracy (Humanities, November/December 2001, Volume 22/Number 6), John L. Esposito and John O. Voll argumentam que a relação é muito complexa, existindo vários grupos islâmicos que convivem democraticamente em países nos quais estão em minoria, mas quando atingem a maioria rejeitam a separação entre religião e política, o tradicional approach secular. Alguns defendem, portanto que grupos islâmicos só advogam a democracia como uma tática para ganhar poder político. Da mesma maneira que os comunistas são os maiores defensores da democracia, até chegarem ao poder!

Relativamente à Sura acima os autores afirmam que muito pensadores islâmicos enfatizam a importância da consulta mútua ou shura. Na visão do Ayatollah Baqir al-Sadr, líder shi’ita executado por Saddam Hussein, o povo tem o direito geral de dispor de seus assuntos na base do princípio da consulta. O ex-presidente do Irã, Mohammad Khatami referiu que o povo tem um papel fundamental em eleger o governo, supervisionar e possivelmente substituí-lo sem nenhuma tensão ou problema.

Creio que isto não passa de demagogia, pois no seu país quem decide quem governa é o Supremo Conselho da Revolução e não o povo. O eleitorado só pode votar nos candidatos previamente aprovados pelo Conselho e este terá a palavra final sobre a eleição. Khatami, no entanto, entende muito bem o conceito ocidental de democracia e seus riscos: as democracias existentes não seguem necessariamente a mesma fórmula. É possível que a democracia leve a um sistema liberal. É possível que leve a um sistema socialista. Ou à inclusão de normas religiosas no governo. Nós aceitamos esta terceira opção. Acrescentou, lucidamente, que atualmente as democracias estão sofrendo de um grande vácuo, o vácuo da espiritualidade e que o Islam pode ter a estrutura para combinar democracia com espiritualidade e um governo religioso.

Os Founding Fathers não discordariam, pois basearam o regime republicano no fundamento religioso que hoje tende a desaparecer por força do processo democrático que tanto temiam. A solução que encontraram, no entanto, foi proibir o Congresso de fazer leis concernentes à religião para impedir que o governo se intrometesse nos assuntos religiosos, protegendo as religiões. Mas ela está presente em quase todos os atos governamentais: os juramentos, em qualquer nível, são feitos sobre a Bíblia, o fundamento das leis são as Leis Mosaicas, etc. Esta separação entre religião e política é característica da tradição judaico-cristã e jamais poderá ser aceita pelo Islã, pois a síntese de espiritualidade e governo é o próprio coração do Islam. A proclamação ‘não há outro Deus senão Allah’, a unicidade de Deus, é aceita por todos os monoteístas, mas no Islam este conceito, tawhid, é uma visão de mundo (Weltanshauung) que significa conceber todo o universo como uma unidade, ao invés de dividi-lo entre este mundo e o próximo, entre espírito e corpo. Nesta visão de mundo a separação entre religião e política cria um vácuo espiritual nos negócios públicos e abre caminho para sistemas políticos em que os valores morais estão ausentes. Neste sentido, um estado secular abre o caminho para o abuso do poder [[ii]]. Veja-se o estado islâmico secular do Partido Baath no Iraque onde houve uma sucessão de ditadores cada vez mais sanguinários.

Olhando para o século passado no Ocidente, pode-se discordar disto? A ascensão de Hitler ao poder foi absolutamente constitucional. Os ‘palestinos’ votaram em massa numa organização terrorista, o Hamas, o regime ‘autoritário’ do Xá era cultural e socialmente liberal e foi derrubado pelo povo fanatizado, dando lugar à tirania dos Ayatollahs. E não se acredite que a oposição a Ahmadinedjad tenha algo a ver com democracia e muito menos liberdade. É briga de cachorro grande em que o povo entra como bucha de canhão.

Hoje em dia assistimos a uma perda generalizada e completa dos valores morais. A separação entre religião e política foi invertida, defendendo-se não mais um estado laico, mas um estado ateu e materialista no qual as religiões não podem se intrometer, numa mistura confusa com um multiculturalismo e um sincretismo ridículos.  As ‘transgressões’ são aplaudidas, valores tradicionais são ridicularizados – não só os religiosos, também os morais – em nome da modernidade ou pós-modernidade. O Cristianismo retrai-se envergonhado de si mesmo, o Judaísmo pior ainda: criou-se um monstrengo chamado ‘judeus laicos’ que mal sabem o que diz a Torah! Os ‘liberais’, Judeus ou Cristãos, trocaram o Deus da Bíblia pelo deus cifrão: tudo pela livre iniciativa e pelo liberalismo econômico independentemente de quaisquer sentimentos morais. Os socialistas pelo homem: o Conducător [[iii]], o Führer, o Duce, o Pai dos Povos, o Grande Timoneiro, o Caudillo por La Gracia de Diós. A este é concedida plena indulgência prévia por seus atos, pois sempre agem ‘por amor ao povo que os adora’.

É neste vácuo de espiritualidade que o Islam pode penetrar entre os ocidentais, como alerta há mais de dez anos Olavo de Carvalho. Mil anos depois das Cruzadas e as forças se invertem emfunção do fanatismo materialista e ateísta que domina o Ocidente depois do Iluminismo. Os Cruzados estavam certos de agirem para defender o Santo Sepulcro e os Lugares Sagrados do Cristianismo. Hoje nada disto subsiste, nem como fé, nem mesmo como símbolo que seja! A fé fanática de hoje é na Sagração da Ciência e da onipotência do conhecimento humano. Nada transcende o homem auto-sacramentado e seus Condutores Iluminados.

A penetração do Islam está sendo uma verdadeira Cruzada, sem Cruz, pois esta os ofende e amedronta – amedronta por enquanto, pois os que deveriam carregá-la com fé e orgulho, sentem vergonha dela! E se o Islam perder o medo e ganhar a guerra? Viveremos submetidos à sharí’a?

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

DIA 20 DE FEVEREIRO A IGREJA CELEBRA A MEMÓRIA DOS BEATOS FRANCISCO E JACINTA

No ano de 1908 nasceu Francisco Marto. Em 1910, Jacinta Marto. Filhos de Olímpia de Jesus e Manuel Marto, pertenciam a uma grande família e eram os mais novos de nove irmãos.

A partir da primavera de 1916, a vida dos jovens santos portugueses sofreria uma grande transformação: as diversas aparições do Anjo de Portugal (o Anjo da Paz) na "Loca do Cabeço" e depois na "Cova da Iria". A partir de 13 de maio de 1917, Nossa Senhora apareceria por 6 vezes a eles.

O mistério da Santíssima Trindade, a Adoração ao Santíssimo Sacramento, a intercessão, os Corações de Jesus e de Maria, a conversão, a penitência... Tudo isso e muito mais foi revelado a eles pelo Anjo e também por Nossa Senhora, a Virgem do Rosário.

Na segunda aparição, no mês de junho, Lúcia (irmã de Jacinta e Francisco) fez um pedido a Virgem do Rosário: que ela levasse os três para o Céu. Nossa Senhora respondeu-lhe: "Sim, mas Jacinta e Francisco levarei em breve". Os Bem-aventurados vivenciaram e comunicaram a mensagem de Fátima. Esse fato não demorou muito. Em 4 de abril de 1919, Francisco, atingido pela grave gripe espanhola, foi uma das primeiras vítimas em Aljustrel. Suas últimas palavras foram: "Sofro para consolar Nosso Senhor. Daqui, vou para o céu".

Jacinta Marto, modelo de amor que acolhe, acolheu a dor na grave enfermidade, tendo até mesmo que fazer uma cirurgia sem anestesia. Tudo aceitou e ofereceu, como Nossa Senhora lhe havia ensinado, por amor a Jesus, pela conversão dos pecadores e em reparação aos ultrajes cometidos contra o Coração Imaculado da Virgem Maria. Por conta da mesma enfermidade que atingira Francisco, em 20 de fevereiro de 1920 ela partiu para a Glória.

No dia 13 de maio do ano 2000 o Papa João Paulo II esteve em Fátima e, do 'Altar do Mundo', beatificou Francisco e Jacinta, os mais jovens beatos cristãos não-mártires.

Beatos Francisco e Jacinta, rogai por nós!